terça-feira, 14 de setembro de 2010

Morre lentamente... Poema de Pablo Neruda ou de Martha Medeiros??






Houve uma confusão no mundo político italiano. Um senador usou um texto da Martha Medeiros em seu discurso para derrubar o primeiro-ministro Romano Prodi.

O texto, que costuma ser creditado ao Pablo Neruda como "Morre Lentamente", na verdade chama-se "A Morte Devagar".

Isto aconteceu em 24/01/08. Clemente Mastella, líder da Udeur, leu a crônica da tribuna do Senado, emocionado, como se fosse do Pablo Neruda. Dono de poucos mas decisivos votos, Mastella ilustrou sua decisão de trair o governo com o bonito texto.

Relembro a bela crónica da poderosa gaúcha , publicada em 2001 , no Zero Hora.
Foi escrita na véspera do dia de Finados:

A MORTE DEVAGAR

Morre lentamente quem não troca de idéias, não troca de discurso, evita as próprias contradições.

Morre lentamente quem vira escravo do hábito, repetindo todos os dias o mesmo trajeto e as mesmas compras no supermercado. Quem não troca de marca, não arrisca vestir uma cor nova, não dá papo para quem não conhece.

Morre lentamente quem faz da televisão o seu guru e seu parceiro diário. Muitos não podem comprar um livro ou uma entrada de cinema, mas muitos podem, e ainda assim alienam-se diante de um tubo de imagens que traz informação e entretenimento, mas que não deveria, mesmo com apenas 14 polegadas, ocupar tanto espaço em uma vida.

Morre lentamente quem evita uma paixão, quem prefere o preto no branco e os pingos nos is a um turbilhão de emoções indomáveis, justamente as que resgatam brilho nos olhos, sorrisos e soluços, coração aos tropeços, sentimentos.

Morre lentamente quem não vira a mesa quando está infeliz no trabalho, quem não arrisca o certo pelo incerto atrás de um sonho, quem não se permite, uma vez na vida, fugir dos conselhos sensatos.

Morre lentamente quem não viaja, quem não lê, quem não ouve música, quem não acha graça de si mesmo.

Morre lentamente quem destrói seu amor-próprio. Pode ser depressão, que é doença séria e requer ajuda profissional. Então fenece a cada dia quem não se deixa ajudar.

Morre lentamente quem não trabalha e quem não estuda, e na maioria das vezes isso não é opção e, sim, destino: então um governo omisso pode matar lentamente uma boa parcela da população.

Morre lentamente quem passa os dias queixando-se da má sorte ou da chuva incessante, desistindo de um projeto antes de iniciá-lo, não perguntando sobre um assunto que desconhece e não respondendo quando lhe indagam o que sabe.

Morre muita gente lentamente, e esta é a morte mais ingrata e traiçoeira, pois, quando ela se aproxima de verdade, aí já estamos muito destreinados para percorrer o pouco tempo restante. Que amanhã, portanto, demore muito para ser o nosso dia. Já que não podemos evitar um final repentino, que ao menos evitemos a morte em suaves prestações, lembrando sempre que estar vivo exige um esforço bem maior do que simplesmente respirar.




O poema Muere Lentamente (Morre Lentamente), atribuído por engano a Pablo Neruda, circula há anos na Internet sem que nada nem ninguém seja capaz de deter a bola de neve.O poema que não se chama Morre Lentamente, mas A Morte Devagar, e não é do poeta chileno como assegurou à EFE a Fundação Pablo Neruda, mas da escritora e poeta brasileira Martha Medeiros.
Filha de José Bernardo Barreto de Medeiros e de Isabella Matos de Medeiros, é jornalista no jornal Zero Hora de Porto Alegre e de O Globo no Rio de Janeiro.


Morre lentamente

Morre lentamente 
quem não viaja, 
quem não lê,
quem não ouve música,
quem não encontra graça em si mesmo.

Morre lentamente 
quem destrói o seu amor-próprio,
quem não se deixa ajudar.

Morre lentamente 
quem se transforma em escravo do hábito,
repetindo todos os dias os mesmos trajetos,
quem não muda de marca, 
não se arrisca a vestir uma nova cor
ou não conversa com quem não conhece.

Morre lentamente 
quem faz da televisão o seu guru.

Morre lentamente 
quem evita uma paixão,
quem prefere o negro sobre o branco
e os pontos sobre os "is" 
em detrimento de um redemoinho de emoções
justamente as que resgatam o brilho dos olhos,
sorrisos dos bocejos, 
corações aos tropeços e sentimentos.

Morre lentamente 
quem não vira a mesa quando está infeliz,
quem não arrisca o certo pelo incerto 
para ir atrás de um sonho,
quem não se permite pelo menos uma vez na vida 
fugir dos conselhos sensatos.

Morre lentamente 
quem passa os dias queixando-se da sua má sorte 
ou da chuva incessante.

Morre lentamente 
quem abandona um projeto antes de iniciá-lo,
não pergunta sobre um assunto que desconhece
ou não responde quando lhe indagam sobre algo que sabe.

Morre lentamente...



Porque não é apenas Muere Lentamente o único "falso Neruda" que encontram os internautas. Também costumam atribuir ao autor do Canto Geral os poemas Queda Prohibido, que é de Alfredo Cuervo, escritor e jornalista espanhol, e Nunca Te Quejes, de autor ignorado pela Fundação.

O director executivo da Fundação, Fernando Sáez, diz que não é a primeira vez nem será a última, que as pessoas imputem a um poeta famoso textos que ele jamais escreveu e cuja autoria é desconhecida.

Um dos enganos do género aconteceu com um famoso texto atribuído a Borges sobre as maravilhas da vida, que nem com sua maior ironia ele teria suportado e menos ainda escrito. O suposto poema de Borges, Instantes, segundo esclareceu a viúva do escritor, María Kodama, é de autoria da escritora norte-americana Nadine Stair.

Mais estrondoso ainda foi o falso apócrifo atribuído a Gabriel García Márquez, La Marioneta, com o qual o prémio Nobel de Literatura colombiano se despedia de seus amigos, após saber que estava com um câncro. "Se por um instante Deus se esqueceu de que sou uma marionete de pano e me presenteasse com um pouco mais de vida, aproveitaria esse tempo o mais que pudesse..." diz o texto cuja "autoria" quase matou de verdade García Márquez, como ele mesmo disse ao desmentir que o poema fosse criação sua.

"O que pode me matar é a vergonha de que alguém acredite de verdade que fui eu que escrevi", disse Gabo.

Muere Lentamente é uma poesia da escritora brasileira Martha Medeiros, autora de numerosos livros e cronista do jornal Zero Hora, de Porto Alegre, conforme informou à EFE a Fundação Neruda.

Cansada de ver as pessoas a dizer que o poema é do poeta chileno, a própria escritora entrou em contacto com a Fundação Neruda para esclarecer a autoria do texto, pois os versos coincidem em grande parte com o seu texto A Morte Devagar, publicado em 2000, às vésperas do Dia dos Mortos.

Em declarações à EFE, Martha reconhece que não sabe como o poema começou a circular na internet, já que há "muitos textos" seus que estão na rede "como se fossem de outros autores". "Infelizmente, não há nada a fazer", acrescenta.

A poeta e romancista brasileira de 47 anos admira profundamente o poeta chileno Pablo Neruda, de quem se declara uma fã, mas prefere que "cada um tenha o seu trabalho reconhecido". No entanto, não perde o sono com essas coisas e assegura que tem "humor suficiente para rir de tudo isso".

A Fundação concorda com Martha e afirma que pouco pode ser feito para deter esta bola de neve na rede, já que ao fazer uma busca no Google sobre o poema Muere Lentamente associado ao nome do poeta Pablo Neruda, vão aparecer milhares de referências ao poema associado ao nome do poeta.

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