segunda-feira, 10 de junho de 2013

Papalágui

Tuiávii era um líder de uma aldeia no Arquipélago de Samoa,Tiavéia, no Oceano Pacífico, quando decidiu fazer uma viagem á Europa, pouco antes da Primeira Guerra Mundial. 
Quando voltou á Tiavéia, sua aldeia, suas impressões foram transformadas em livro pelo antropólogo Erich Sheurmann. 
Livro esse que guarda suas pontuais observações sobre o mundo do Papalágui (nome dado aos homens brancos na aldeia de Tiavéia e também título do tal livro).

O Papalagui é um livro publicado em 1920, escrito por Erich Scheurmann, nascido em Hamburgo, 1878 e morto em Armsfeld, 1957.
É uma coleção de discursos de um chefe aborígene samoano de Tiavéa da ilha de Upolu, trata-se dos discursos de um tuiavii e descreve a sua visão sobre o europeu num período anterior a Primeira Guerra Mundial.
Erich Scheurmann conseguiu reunir estes discursos após o apoio do chefe e traduziu para o alemão. O Papalagui é o termo samoano que traduzido literalmente significa o homem branco, ou, o europeu.

Lembrei-me do livro recentemente e fui relê-lo. Gostei ainda mais do que já tinha gostado. Impressionei-me mais do que já havia me impressionado.

Sei que não vou resistir, e farei uma série de bons trechos d’O Papalagui aqui no blog.

Por hoje, contentem-se com este:

É difícil dizer o que é profissão, mas todo Papalagui tem uma. É uma coisa que se deve ter muita alegria ao fazer, mas raramente isso acontece. Ter uma profissão significa fazer sempre a mesma coisa, e tantas vezes que se consegue fazê-la de olhos fechados e sem esforço algum. (...) Todo homem branco precisa ter uma profissão. (...)

Mas se o Papalagui, mais tarde, chega a perceber que prefere construir cabanas a tecer esteiras, dizem: “Ele errou de profissão” (...) Isso é uma coisa muito séria porque é contra a moral adotar, simplesmente, outra profissão. O Papalagui decente corre o risco de perder sua honra se disser: “Não posso fazer isto, não tenho nenhum prazer”. (...)

Não há, a bem dizer, coisa alguma que um homem seja capaz de fazer que o Papalagui não transforme em profissão. (...)

Ter profissão quer dizer: saber apenas correr ou apenas provar ou apenas cheirar ou apenas lutar, em todos os casos, saber apenas uma coisa. Esse só-saber-fazer-uma-coisa é uma grande fraqueza e um grande perigo porque qualquer um pode se ver, um dia, obrigado a remar numa canoa pela lagoa.(...)

Existem brancos que já não podem correr pois criam muita gordura no ventre, como os puaas [porco] porque têm de estar sempre parados, obrigados pela profissão; já não podem levantar e lançar um dardo pois suas mãos estão muito habituadas a segurar o osso que lhes serve para escrever e eles estão sempre sentados à sombra, só escrevendo tussi; não são capazes de dominar um cavalo selvagem porque estão sempre ocupados em olhar para as estrelas ou inventar idéias. (...)

É daí que vem a miséria do Papalagui. É agradável ir buscar água no riacho uma vez, até várias vezes por dia; mas quem tiver de ir buscá-la de manhã à noite, todos os dias, em todos os momentos, enquanto tiver forças, e isso sem cessar, afinal há de enfurecer-se, há de querer romper as correntes que o prendem, pois não há coisa que pese tanto ao homem quanto fazer sempre a mesma coisa (...)

Todos estão sempre comparando as suas profissões cheios de inveja e má-vontade; fala-se em profissões elevadas e baixas, embora todas sejam apenas atividades parciais(...) Mão, pé, cabeça são feitos para formarem um todo. Se todos os membros e sentidos trabalham juntos, o coração se alegrará, sadio; não acontecerá isso quando só uma parte tem vida e as outras estão mortas. Daí vem a confusão, o desespero, a doença. (...)

Mas o Papalagui nunca conseguiu fazer-nos compreender por que havemos de trabalhar mais do que Deus exige para que possamos comer à vontade, cobrir a cabeça com um teto, nos divertimos com as festas da aldeia. (...) O Papalagui suspira quando fala no seu trabalho, como se uma carga o sufocasse; mas é cantando que os jovens samoanos vão para os campos de taro; cantando, as moças lavam as tangas na correnteza do riacho. O Grande Espírito não quer, certamente, que fiquemos cinzentos por causa das profissões, nem que nos arrastemos feito as tartarugas e os pequenos animais rasteiros da lagoa. Ele deseja que continuemos orgulhosos e tesos em tudo quanto fazemos; que não percamos a alegria de nossos olhos nem a agilidade dos nossos membros.”

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