sexta-feira, 22 de novembro de 2013

A vida de Pi



A Vida de Pi de Yann Martel é um livro muitíssimo interessante.

Depois de ver o filme em 2013, realizado por Ang Lee, fiquei com vontade de ler o livro, e achei ainda melhor do que o filme.

Dividido em três partes, trata-se da história maravilhosa de Piscine Molitor Patel.

Na primeira parte desta obra, o autor retrata o nosso herói, a sua infância, família, História, a sua, chamemos-lhe diferente, fé.
Pi é curioso e interessado. Desde criança que deseja aprender.
Hindu por tradição familiar e social, tem vontade de conhecer todas as correntes religiosas, acredita mesmo que as pode praticar todas. Desde novo que procura a verdade, a verdadeira fé.
Acredita na paz, que entre religiões não deve haver guerras, uma perspectiva inocente mas evoluída, a anos-luz do ponto que (ainda) nos encontramos hoje.
A infância e a sua juventude são passadas rodeado de animais, dado que a família possui um jardim zoológico. Neste ponto são muitas as reflexões sobre os instintos animais, as regras e suas excepções, a forma como nem tudo acontece como seria esperado, como mesmo nas leis da natureza há surpresas.
Esta é uma espécie de preparação para o que aí vem, para a grande aventura de Pi, a sua provação de sobrevivência física e mental.
Pi é simultaneamente Hindu, Cristão e Muçulmano. Não encontra nenhuma contradição nesta profissão de fé tripartida. Apenas um forte elo de ligação: o seu amor por Deus.  Basicamente define-se e dá-se substância ao Pissinha.
Lança-se luz até à emigração de Pi Patel e da sua família para o Canadá.
Fui levada a pensar que este romance se deteria demasiado sobre a religião.
Aliás o autor refere tratar-se de uma história que nos fará acreditar em Deus.

Fiquei desconfiada, confesso...

Na segunda parte do romance, somos levados em viagem através do Pacífico com Pi e um tigre de bengala num bote salva vidas.
Únicos sobreviventes não efémeros do naufrágio do Tsimtsum, a embarcação que os levaria a todos (Pi, família e animais do seu Zoo) para Winnipeg.
Todos desaparecem menos ele, que consegue lugar num barco salva-vidas que vai ter de partilhar com um outro náufrago, um tigre de bengala.
Uma viagem à deriva num oceano de perigos, em que Pi se vai gradualmente desumanizando, até chegar ao limiar da selvajaria no que toca a matar para sobreviver.
Uma viagem reflexiva sobre o poder da solidão no caminho da loucura, e da coragem como elemento fundamental no caminho da salvação.
Sem medo não há coragem e Pi tem medo de Richard Parker, o tigre.
É uma animal selvagem, e desde criança que Pi conhece o poder dos grandes predadores, foi preparado e ensinado pelo pai.
De alguma forma inexplicável cria-se uma relação entre Pi e o tigre.
São delimitados territórios, como na selva, Pi vai exercendo alguma supremacia sobre a fera através da comida, quase como um artista de circo, um domador de grandes felinos.
Sete meses à deriva podem tornar um homem selvagem e humanizar um tigre?
Como é possível esta convivência?
Como pode um homem desesperado pela dificuldade em adquirir comida e água, atormentado pela solidão, manter a mente ocupada de forma a evitar a loucura e a demência?
Viajamos durante sete meses com estes dois companheiros numa história maravilhosa cheia de tribulações da pior espécie. Força-se a vida ao seu limite, que fica para além do limite da própria humanidade. Sentimos cada brisa e cada vaga que abana o destino de Pi e de Richard Parker, (o seu tigre de bengala) como se do nosso fim se tratasse.
Avançamos ao sabor da corrente até ao México, passando de caminho por uma inacreditável ilha flutuante.
O tema religião teve aqui uma expressão, aparentemente, ténue, mínima.

Fiquei muito satisfeita.

Na terceira e última parte da obra acompanhamos os representantes da empresa responsável pelo Tsimtsum numa entrevista a Pi Patel para apurar factos e determinar responsabilidades. Piscine a estes relata a sua história, deixando os japoneses extremamente incrédulos e desconfiados.
Pressionado, Pi conta então uma outra versão da sua provação sem animais no relato. Uma versão crua, horripilante e dolorosa. Uma história sem fermento... e muito sangue.
Para cada animal da primeira história há um humano que lhe ocupa o lugar e também a sorte.
Com excepção de um.

Qual a história verdadeira fica ao critério de cada um.
Uma é a alegoria da outra.
Alguma delas será falsa?
Já fiz a minha escolha.
Pi fez a sua porque Deus tem preferência no assunto.

Estamos, pois, perante uma obra maravilhosa, rica e muito interessante.
Yann Martel escreveu um livro soberbo.

Fiquei maravilhada!

Um livro que a cada página ensina e faz reflectir sobre o impossível.
Cheguei ao fim a achar que não há impossíveis.
Que a vida é uma aventura surpreendente.
Ao mesmo tempo, o meu lado (excessivamente) racional questiona se pode tal coisa ter acontecido?
Cabe ao leitor decidir se acredita ou não n’ “A Vida de Pi”.

É uma história impossível que Yann Martel tem o dom de tornar verosímil.
A sua escrita do impensável é tão realista que nos convence de que aconteceu, que Pi ultrapassou e sobreviveu a algo inacreditável.
Martel faz acreditar, provoca sensações ao leitor que o fazem ter fé, pois quem acredita na vida de Pi pode certamente acreditar em tudo, sentir que todos os obstáculos podem ser ultrapassados.

Um livro forte, com uma componente reflexiva avassaladora, que me fez, confesso, acreditar que um homem e um tigre podem ter uma história de sobrevivência juntos.
Penso que é dos maiores elogios que se pode fazer a quem escreve.
Yann Martel tem uma legião de adoradores deste livro porque acreditam, acreditam que o que escreveu é verdade.
“A Vida de Pi” é um livro brilhante que vai directo para a minha lista dos melhores livros de sempre!


Nota:
Publicado em Portugal pela Difel em 2003, e agora disponível pela chancela da Presença,  A Vida de Pi valeu a Yann Martel o Man Booker Prize de 2002, entre outros prémios, e figurou como bestseller do New York Times durante mais de um ano.
Sete anos após a primeira edição, a obra ocupa a 74ª posição no top de ficção da Amazon americana e o 99º lugar na tabela de vendas da amazon inglesa.
A Vida de Pi encontra-se publicada em mais de 40 países.
Difel, 2003


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