sexta-feira, 27 de junho de 2014

.......gatos


"O gato é a lei em si.
Jamais perde seu ar despótico de luxo e indolência orientais.
Era feminino demais para os gregos, amantes do masculino.
Falei da invenção egípcia da feminilidade, uma estética de prática social distanciada da brutal maquinaria feminina da natureza.
As roupas da egípcia aristocrática, uma perfeita túnica de linho transparente pregueado, eram macias, lisas, fluidas.
Macia é a sorrateiricie noturna dos gatos.
Os egípcios admiravam o aspecto liso, nédio, nos mastins, chacais e gaviões.
O nédio é o liso contorno apolíneo. Mas a maciez é a arte sinuosa das trevas daimônicas, que o gato traz para o dia.

Os gatos têm pensamentos secretos, uma consciência dividida.
Nenhum outro animal é capaz de ambivalência, essas ambíguas correntes contraditórias de sentimentos, como quando um gato ronronante enterra ao mesmo tempo os dentes como advertência, no braço de alguém.
O drama interior de um gato ocioso é telegrafado pelas orelhas, que giram para um farfalhar distante enquanto ele repousa os olhos com falsa adoração nos nossos, e depois, pela cauda, que bate ameaçadora mesmo quando ele cochila.
Às vezes, o gato finge não ter qualquer relação com a própria cauda, à qual ataca esquizofrenicamente. A cauda a contorcer-se e a bater é o barômetro ctônico do mundo apolíneo do gato. É a serpente no jardim, trombando e triturando com maliciosa antecipação.
A ambivalente dualidade do gato é dramatizada nas suas erráticas mudanças de humor, saltos abruptos do torpor à mania, com os quais contém nossa presunção: “Não chegue mais perto. Nunca se sabe”. (...)

Camile Paglia

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