quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

Os assassinos do Charlie Hebdo



O que pensarão os sobreviventes civis de um ataque norte-americano no Paquistão?
É certo que as bombas vêm de Washington mas se não houvesse talibãs talvez não existisse guerra.
Não creio que o vejam assim.

Não há lucidez para essas coisas quando estilhaçam a tua família pelos ares.
Os culpados são os norte-americanos, ponto.
O que pensarão os sobreviventes civis de um atentado islâmico em Paris?
É certo que as metralhadoras foram empunhadas por homens que gritavam por Alá mas se a França não tivesse apoiado a guerra contra Kadafi e Bashar al-Assad talvez não houvesse atentados.
Neste caso, repetindo o mesmo exercício, os culpados são os muçulmanos, ponto.
Não, não há mesmo lucidez para perceber que as vítimas das guerras são sempre os mesmos. 
Os trabalhadores e os povos que enchem rios de sangue para ilustrar o extremismo religioso que alimenta o fanatismo e abre caminho ao imperialismo. Foi sempre assim.

Nos anos 80, no Afeganistão, as mulheres andavam de mini-saia, conduziam, estudavam e levavam uma vida dentro do que se pode considerar a normalidade dita ocidental.
Os Estados Unidos financiaram, treinaram e armaram os talibãs e afogaram o país na Idade Média. A exaltação da religião contra as forças do progresso conduziu à desgraça que se conhece e anos mais tarde milhares de trabalhadores norte-americanos pagavam com a própria vida a tragédia das Torres Gémeas.
Na Palestina, Israel - um país inventado pelo extremismo sionista - abriu caminho ao reforço de movimentos religiosos como o Hamas para evitar a direcção laica e progressista da luta pela libertação nacional daquele país.

A mesma receita foi instigada uma e outra vez.
Nos últimos anos, os Estados Unidos e a União Europeia financiaram, treinaram e armaram milhares de homens cujo propósito era derrubar regimes laicos ou progressistas. Fizeram-no para acabar com Muammar Kadaffi e fizeram-no, até agora sem sucesso, para derrubar Bashar al-Assad.
A Líbia era o país que encabeçava os índices de qualidade de vida de todo o continente africano. Agora, no protectorado europeu e norte-americano, a selvajaria religiosa levada ao extremo enfia imigrantes negros em jaulas do velho jardim zoológico de Tripoli.
Na Síria, o que há é um país absolutamente devastado, imerso numa guerra civil.
O Iraque tampouco se levanta do caos em que se mantém há mais de uma década.
O que acontece hoje naqueles países é responsabilidade directa dos governos norte-americano e europeus, incluindo o de Portugal.

O que se passou hoje na redacção do Charlie Hebdo, em Paris, foi um crime horrendo.
Foi um atentado contra a liberdade de expressão e de imprensa.
Nos próximos dias, veremos gente em todas as partes a apontar os dedos aos muçulmanos - principalmente, Marine Le Pen e a Frente Nacional - enquanto nos corredores dos bancos e das grandes empresas se conta o dinheiro do saque roubado através dos recursos naturais do Norte de África e Médio Oriente.
No Estado espanhol, quando explodiram bombas nos comboios de Madrid, as vítimas eram trabalhadores. Como em Paris, como em Islamabad, como em Alepo, como em Bengazi, como em Cabul. A fúria dos povos do Estado espanhol rebentou porque perceberam que o governo de Aznar lhes mentira sobre a autoria dos atentados e porque perceberam que aquela era uma resposta a uma guerra contra outro povo.

Falta a lucidez de se clarificar quem, de facto, foram os autores do crime perpetrado em Paris. 
Quem quer que tenha sido merece ser perseguido, julgado e castigado.
Mas para lá das sombras com que comentadores, politólogos, jornalistas queiram esconder a verdade mais crua devemos perceber que o imperialismo vive uma fase agressiva. Instalou o caos na vida dos povos do Norte de África, do Médio Oriente, na Ucrânia e na Venezuela. Apontar o dedo contra o extremismo islâmico sem apontar o dedo contra quem o financiou, treinou e armou é um insulto à memória dos que caem sob a barbárie da guerra.

Hoje, todos se dizem Charlie.
Eu também sou.
Mas devemos sê-lo todos os dias denunciando sem ceder à auto-censura quando se refere aos que nos conduzem à miséria, à exploração e à guerra.
Há quem hipocritamente se diga hoje Charlie para amanhã esconder quem é que deu armas ao ISIS, à al-Qaeda e a outros grupos. Amanhã, esses, vão guardar silêncio para os crimes do extremismo religioso israelita contra o povo palestiniano. Ou vão inventar novas armas de destruição massiva para justificar matanças pelo mundo fora.
Os jornais e os jornalistas que se auto-censuram - ou que manipulam de peito erguido - também são culpados do que se passou hoje na redacção do Charlie Hebdo.
Todos, sem excepção, grandes grupos económicos e financeiros, incluindo os governos, partidos, jornais e mercenários em que mandam, merecem a nossa repulsa. 
São eles os assassinos do Charlie Hebdo. 
E a nós cabe-nos defender a liberdade de expressão, a liberdade de imprensa e a liberdade religiosa dentro dos limites de uma sociedade laica.
Mas, principalmente, cabe-nos defender a paz e um mundo de justiça social.
Esses princípios são os verdadeiros inimigos do imperialismo, do fascismo e do extremismo religioso.


Bruno Carvalho
Fonte: Manifesto 74



“O que vou dizer pode parecer um pouco pomposo, mas prefiro morrer de pé do que viver ajoelhado”. 
A frase foi dita há dois anos pelo director do Charlie Hebdo, hoje alvo de um ataque terrorista, durante uma entrevista ao Le Monde.

Stéphane Charbonnier – ou Charb, o nome com que assinava os seus desenhos – estava numa reunião editorial quando os homens armados foram direitos a si, matando-o e ao seu guarda-costas (um elemento da polícia) que o protegia, relata a AP.
Do ataque resultaram mais 10 mortos.

O Le Monde recorda que o director estava na primeira linha das ameaças ao semanário e vivia sob protecção policial desde que o jornal foi incendiado em 2011. O Charlie Hebdo foi um dos jornais a publicar as caricaturas do profeta Maomé – inicialmente dadas à estampa pelo jornal dinamarquês Jyllands-Posten – que provocaram a ira dos extremistas muçulmanos.
E ainda em 2013 publicou duas edições especiais, dedicadas ao profeta.

Na mesma entrevista que deu ao Le Monde em 2012 reiterou que não tencionava desistir.
E noutra que deu à AP, no mesmo ano, defendeu os cartoons sobre Maomé publicados pelo Charlie Hebdo em 2006.

“Maomé não é sagrado para mim”, afirmou na altura. 
“Não vou atacar os muçulmanos por não se rirem dos nossos desenhos. 
Eu vivo sob a lei francesa, não sob a lei do Corão”, acrescentou.

Entre outras provocatórias capas do jornal está uma de um judeu ortodoxo a beijar um soldado nazi ou a do Papa Bento XVI num abraço amoroso a um guarda do Vaticano.

Um dos últimos cartoons de Charb, publicado na edição desta semana do Charlie Hebdo, é tristemente premonitório.
O desenho mostra um extremista que reage ao título ‘França continua sem ser atacada’.
‘Esperem’, afirma o homem armado, ‘temos até ao fim de Janeiro para apresentar os nossos votos de ano novo’.

Pois é...
Agora ao nosso lado é só Charlies...

Não és Charlie nem no teu próprio burgo!

E como diz o Nuno Michaels,
És apenas um cobarde e um oportunista.
Já existiram muitos, muitos como tu ao longo da história, sempre colando-se à grandeza dos outros para tentar sair da sombra. Mas dos fracos não reza a história, e dos abutres muito menos.

Agora de repente és o arauto da liberdade de expressão, quando passaste a vida a medir e a conter, estrategicamente, o que pões para fora, se não para ganhar vantagem ou cumprir agendas suspeitas, pelo menos para não perderes privilégios ou protecção,
e de repente,
És um herói (à custa dos outros)?

Também preferes morrer de pé do que viver de joelhos?
Então por que é que passas a vida de joelhos, em modo subserviente e conveniente, para não levantares ondas de Verdade e Autenticidade que te obrigariam a nadar, yo!?

Man... Tem vergonha na cara.
E mantém-te ajoelhado, se não és capaz de te erguer pela tua própria voz.
"A condição humana", dizia o André Malraux, "atinge-se quando alguém é capaz de morrer por aquilo em que acredita".

A Verdade tem um preço, e se achas que vais fazer as tuas conquistas à custa da dignidade dos outros, pensa outra vez...
... E sabes, de joelhos, pelo menos, sempre podes rezar.
... Aproveita e pede a Deus que faça de ti um Homem...


O Markl, como cartonista que é disse,
Alarmado com a quantidade de participantes num fórum radiofónico que defendia a tese de que os artistas do Charlie Hebdo estavam a pedi-las. E que a liberdade de expressão deve ter limites e controlo. Um dos crimes dos monstros que mataram ontem aquelas pessoas foi terem adormecido o artista livre que havia nelas; o outro foi terem acordado o ditador fascista que há noutras.

Quando os cartoonistas de um jornal como o Charlie Hebdo retratam profetas que é proibido retratar, há que ter a inteligência de perceber que não é com os profetas, não é com os deuses que é feita a piada. É com muitos dos homens que os seguem cegamente e cometem atrocidades em nome deles. É ofensivo? Para alguns, talvez. Todo o humor acaba por sê-lo para alguém, de uma maneira ou de outra - o riso é sempre às custas de alguém ou de alguma coisa; faz parte do conceito e da arte da comédia.

Às vezes parece que aos potenciais ofendidos falta segurança na sua crença ou na sua convicção. Gente segura de si, daquilo em que acredita, não explode de fúria com um cartoon. As reacções extremas contra o humor, seja a um número do Charlie, um episódio do South Park ou um cartoon do António parecem por vezes basear-se em insegurança pura.

E sim, se Deus existe - seja o Deus que for - tem sentido de humor. A prova disso? Nós. A sua criação. Somos todos ridículos, e todos o sabemos bem, por muito que alguns de nós o tentemos esconder. Deus é dos maiores autores de sitcom de sempre.


Não, não somos todos Charlie!!!!
Quem dera...
Tanta hipocrisia!!

Creio sinceramente que a maioria de nós não é "Charlie".
A maioria de nós cultiva o silêncio comprometido, "a minha política é o trabalho", "os gajos são todos iguais", "cada um sabe de si", não faço ondas que a maré pode levantar-se e eu afogo-me. 

É hoje praticamente dado como adquirido que no local de trabalho não se fala de política; que dentro das empresas onde trabalhamos há assuntos de que não se fala, por "respeitinho" à corporação e/ou simples medo das represálias associadas ao questionamento de regras estúpidas, regulamentos e códigos obsoletos, discrepâncias medievais na distribuição de salários e "regalias". Somos todos "Charlie" mas apenas quando nos convém. A prova-provada, aquela que nos confronta connosco próprios, acontece por exemplo sempre que furamos uma greve por medo das consequências associadas à participação na dita.

Eu não sou Charlie, mas pode ser que um dia venha a ser. 
Quando tiver a coragem de assumir, plenamente e sem auto-censuras, sem medo de consequências (custe o que custar), aquilo que penso e sinto sobre as dores do mundo, sobre as dores dos humildes deste mundo.

E em relação aos humoristas portugueses, onde estão os Charlies????
Humoristas que afirmam que gostam de humor negro mas que fazem outro porque dizem que dá mais dinheiro e menos problemas.
Se o mesmo género de humor acontecesse por Portugal, muitas mais seriam as vozes de apoio aos terroristas.
A liberdade de expressão não se dissocia da liberdade humorística.
A Revolução Francesa teve o condão de nos humanizar e  a época em que se queimava gente em fogueiras já lá vai...ou não, pelos vistos...a Guerra Santa nunca acabou.


Este é o momento de confrontar a União Europeia, a NATO e o governo francês em particular com as suas imensas e determinantes responsabilidades no crescimento de uma nova "jihad" que agora (e uma vez mais) lhes rebenta nas mãos;
É tempo de lembrar que em 2012 foram capturados na Síria cerca de duas dezenas de agentes secretos franceses que apoiavam no terreno o "Exército Livre da Síria", uma das facções da "jihad" que destruiu e destrói um dos únicos estados laicos da região;
É tempo de lembrar que em Abril de 2013 a União Europeia decidiu comprar às claras petróleo aos "rebeldes" que haviam tomado para si - e para o financiamento da sua "jihad" - poços de petróleo que pertencem na verdade ao povo sírio;
É tempo de lembrar que o governo francês foi um dos elementos chave no esforço de guerra da NATO na Líbia - um dos paraísos do novo jihadismo itinerante -, e que boa parte daqueles que hoje ameaçam vidas inocentes em todo o mundo fizeram nesse contexto de guerra a sua formação (para)militar.

2 comentários:

  1. Excelente texto, parabéns. O mais triste disto é que os franceses que não são desesperadamente apáticos encontram como a melhor via para exprimir a sua frustração o voto na extrema-direita... Já se viu isso em 1930, aliás.

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  2. Pena de morte, fechar fronteiras e lutar contra o multiculturalismo.
    Imagina o retrocesso civilizacional que estamos dispostos a fazer para combater o medo?
    Já pensou que é exactamente isto que querem?
    Pôr-nos ao mesmo nível deles?
    Que nos cortem as liberdades individuais em nome de um pretenso combate ao terrorismo (que financiamos quando nos convém)?
    Que a "guerra religiosa para a qual nos querem empurrar é a arma deles?
    O ataque não foi só à nossa liberdade de expressão, mas também à democracia podre e à nossa forma de viver...

    Obrigada pelo seu comentário!
    Seja muito bem vindo aqui neste boudoir...

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