quarta-feira, 26 de agosto de 2015

A Insustentável Leveza do Ser



Hoje reli este livro de novo...já perdi a conta das vezes que o li...
É difícil fazer justiça ao livro aqui.

O livro passa-se, na maior parte do tempo, em Praga (República Checa) e tem como personagens principais:
Tomas, um médico que preza a leveza da vida, e é avesso a compromissos de ordem política ou amorosa.
Teresa é uma pobre miúda do interior que se apaixona, larga o pouco que tem para largar e corre para a capital da República Checa atrás do jovem médico bonitão.
Sabina é uma artista plástica bonita, bem resolvida, que gosta de viver livre, ignorando as convenções e tem uma amizade super colorida com Tomas.
E Franz que tem um peso menor na história, mas é um engenheiro que se encanta por Sabina e passa o resto dos seus dias a remoer o facto de não ter dado certo.

Numa Checoslováquia dominada pela União Soviética da década de 60, Teresa vê uma oportunidade de ganhar a vida a fotografar os confrontos entre os eslovacos e os soviéticos, enquanto Tomas se preocupa em manter a sua vida sexual bem variada e activa, e Sabina foge do país para viver na Suíça, onde conhece Franz.

Milan Kundera, autor do livro, usa essa teia de acontecimentos e relações para propor ao leitor uma reflexão quando analisa questões filosóficas como a “dualidade do peso e da leveza” (teoria de Parménides, filósofo pré-socrático) e o “eterno retorno”, de Nietzche, em que ele defende que estamos sempre presos a uma quantidade limitada de acontecimentos e factos na nossa vida, e estamos fadados a revive-los de novo e de novo e de novo (medo!). 

É essa teia que nos mostra como as decisões que tomamos preocupados com a leveza da vida, pode na verdade se tornar um peso insustentável, e como isso pode desencadear reacções na vida das pessoas que estão à nossa volta.

O livro é lindo, pesado, erótico, profundo e reflexivo, que fala de amor, do peso e do preço das relações e da tal casualidade dos acontecimentos.
É um livro para se reviver periodicamente.
Quanto ao filme optei por não o ver, porque foi um livro tão marcante na minha vida que o quero manter assim na minha mente, intocável.

Deixo-vos aqui algumas passagens:

“Quanto mais pesado o fardo, mais próxima da terra está a nossa vida, e mais ela é real e verdadeira. Por outro lado, a ausência total de fardo faz com que o ser humano se torne mais leve do que o ar, com que ele voe, se distancie da terra, do ser terrestre, faz com que ele se torne semi-real, que seus movimentos sejam tão livres quanto insignificantes. Então, o que escolher? O peso ou a leveza?”

“Não existe meio de verificar qual é a boa decisão, pois não existe termo de comparação. Tudo é vivido pela primeira vez e sem preparação. Como se um actor entrasse em cena sem nunca ter ensaiado. Mas o que pode valer a vida, se o primeiro ensaio da vida já é a própria vida? É isso que faz com que a vida pareça sempre um esboço. No entanto, mesmo ‘esboço’ não é a palavra certa porque um esboço é sempre um projecto de alguma coisa, a preparação de um quadro, ao passo que o esboço que é a nossa vida não é o esboço de nada, é um esboço sem quadro.”

“Só é grave aquilo que é necessário, só tem valor aquilo que pesa.”

“’Tem de ser assim, Tomas repetia para si mesmo, mas logo começou a ter dúvidas: teria mesmo de ser?”

“Mas o homem, porque não tem senão uma vida, não tem nenhuma possibilidade de verificar a hipótese através de experiências, de maneira que não saberá nunca se errou ou acertou ao obedecer a um sentimento.”

“…será que um acontecimento não se torna mais importante e carregado de significados quando depende de um número maior de circunstâncias fortuitas?”

“Mas o amor nascente aguçou nela a percepção da beleza, e ela jamais esquecerá essa música. Toda vez que a ouvir, tudo o que acontecer em torno dela, nesse momento, ficará impregnado com seu brilho.”

“Aquele que deseja continuamente ‘elevar-se’ deve esperar um dia pela vertigem. O que é a vertigem? O medo de cair? Mas porque sentimos vertigem num mirante cercado por uma balaustrada? A vertigem não é o medo de cair, é outra coisa. É a voz do vazio em baixo de nós, que nos atrai e nos envolve, é o desejo da queda do qual logo nos defendemos aterrorizados.”

“Mas era justamente o fraco que deveria saber ser forte e partir…”

“Aquilo que não é consequência de uma escolha não pode ser considerado como mérito ou fracasso. Diante de uma condição que nos é imposta, é preciso, pensa Sabina, encontrar a atitude certa. Parecia-lhe tão absurdo insurgir-se contra o facto de ter nascido mulher quanto glorificar-se disso.”

“Por mais cruel que tenha sido a vida, no cemitério sempre existe a mesma serenidade.”

“São precisamente as perguntas para as quais não existem respostas que marcam os limites das possibilidades humanas e que traçam as fronteiras da nossa existência.”

“Os regimes criminosos não foram feitos por criminosos mas por entusiastas convencidos de terem descoberto o único caminho para o paraíso. Defendiam corajosamente esse caminho, executando, por isso, centenas de pessoas. Mais tarde ficou claro como o dia que o paraíso não existia e que, portanto, os entusiastas eram assassinos.”

“Quando nos defrontamos com alguém que é amável, atencioso e delicado, é muito difícil ficar convencido a cada instante de que nada do que é dito é verdadeiro, de que nada é sincero. Para duvidar (contínua e sistematicamente, sem um segundo de hesitação), é necessário um esforço gigantesco e muita prática.”

“Já havia compreendido que as pessoas se alegravam tanto com a humilhação moral do próximo, que jamais abriam mão desse prazer ouvindo explicações.”

“No começo do Génese está escrito que Deus criou o homem para reinar sobre os pássaros, os peixes e os animais. É claro, o Génese foi escrito por um homem e não por um cavalo.”

“Não estava certo de ter agido bem, mas estava certo de ter agido como queria.”


in, “A Insustentável Leveza do Ser“
Milan Kundera

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