segunda-feira, 31 de agosto de 2015

O Amor Romântico e a Despersonalização



Não é apenas o avanço tecnológico que marcou o inicio deste milénio. As relações afectivas também estão a passar por profundas transformações e a revolucionar o conceito de amor. O que se busca hoje é uma relação compatível com os tempos modernos, na qual exista individualidade, respeito, alegria e prazer de estar junto, não mais uma relação de dependência, em que um responsabiliza o outro pelo seu bem-estar.

A ideia de uma pessoa ser o remédio para a nossa felicidade, que nasceu com o romantismo, está fadada a desaparecer neste início de século. O amor romântico parte da premissa de que somos uma fracção e precisamos encontrar a nossa outra metade para nos sentirmos completos. Muitas vezes ocorre até um processo de despersonalização que, historicamente, tem atingido mais a mulher. Ela abandona as suas características para se amalgamar ao projecto masculino. 
A teoria da ligação entre opostos também vem dessa raiz: o outro tem de saber fazer o que eu não sei. Se sou manso, ele deve ser agressivo e assim por diante. Uma ideia prática de sobrevivência e pouco romântica por sinal.

A palavra de ordem deste século é parceria. 

Estamos a trocar o amor de necessidade pelo amor de desejo.
Eu gosto e desejo a companhia, mas não preciso, o que é muito diferente.

Com o avanço tecnológico, que exige mais tempo individual, as pessoas estão a perder o pavor de ficarem sozinhas e a aprender a conviver melhor consigo mesmas. Elas estão a começar a perceber que se sentem fracção, mas são inteiras. O outro, com o qual se estabelece um elo, também se sente uma fracção. Não é príncipe ou salvador de coisa nenhuma.

É apenas um companheiro de viagem.

O ser humano é um animal que vai mudando o mundo e depois tem de se ir reciclando para se adaptar ao mundo que fabricou.
Estamos a entrar na era da individualidade, o que não tem nada a ver com egoísmo. 
O egoísta não tem energia própria; ele alimenta-se da energia que vem do outro, seja ela financeira ou moral.

A nova forma de amor, ou mais amor, 
tem nova feição e significado. 
Visa a aproximação de dois inteiros 
e não a união de duas metades. 

E ela só é possível para aqueles que conseguirem trabalhar a sua individualidade. Quanto mais o indivíduo for competente para viver sozinho, mais preparado estará para uma boa relação afectiva.

A solidão é boa, ficar sozinho não é vergonhoso. Ao contrário, dá dignidade à pessoa. As boas relações afectivas são óptimas, são muito parecidas com o ficar sozinho, ninguém exige nada de ninguém e ambos crescem. Relações de dominação e de concessões exageradas são coisas do século passado. Cada cérebro é único. Nosso modo de pensar e agir não serve de referência para avaliar ninguém. Muitas vezes, pensamos que o outro é a nossa alma gémea e, na verdade, o que fizemos foi inventá-lo ao nosso gosto.

Todas as pessoas deveriam ficar sozinhas de vez em quando para estabelecer um diálogo interno e descobrir a sua força pessoal. Na solidão, o indivíduo entende que a harmonia e a paz de espírito só podem ser encontradas dentro dele mesmo, e não a partir do outro.
Ao perceber isso, ele se torna menos crítico e mais compreensivo quanto às diferenças, respeitando a maneira de ser de cada um.

O amor de duas pessoas inteiras 
é bem mais saudável. 
Nesse tipo de ligação, 
há o aconchego, o prazer da companhia 
e o respeito pelo ser amado.


Flávio Gikovate

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