domingo, 9 de agosto de 2015

Saturno em Escorpião é arqueologia emocional



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É que Saturno em Escorpião é arqueologia emocional. 
Mergulho no inconsciente. 

O resgate do mosquito preso no âmbar.
O momento em que todos precisamos ser os Indiana Jones do nosso próprio inconsciente e salteadores do Coração de Cristal escondido na caveira, guardado pelos soldados das nossas próprias sombras, para resgatarmos, a meio dos destroços do medo, o Amor.

Que é como quem diz, a oportunidade de nos libertarmos a nós mesmos da tirania dos nossos próprios traumas passados e seus resultantes mecanismos de defesa e sobrevivência, para podermos aceitar mais e mais vida, sem precisarmos necessaria e invariavelmente de nos defendermos, protegermos, controlarmos a nós e ao exterior, sentirmos assustados ou ameaçados por ela.

É o tempo em que podemos curar-nos de nosso medo, de nossa prepotência, de nossa rigidez, da violência com que reagimos aos nossos próprios sentimentos de impotência – aqueles que mesmo que tenham raízes num passado muito antigo, continuam a exercer domínio, ou uma forte impressão, sobre nossas próprias percepções, respostas, e comportamentos.

É o tempo em que compreendemos, e nos apropriamos, de nossas próprias dores, feridas, zonas de sombra ou trevas, e lhes levamos a Luz de nossa própria Consciência, compaixão, amor, e cuidado.

É o Eremita do Tarot mergulhando em si próprio: levando consigo um padre, um xamã, e uma enfermeira.

É que se “curar” significa tornar inteiro, e “terapia” significa prestar cuidados, e atenção, então Saturno em Escorpião é uma tremenda oportunidade de cura, de terapia, de resgate do poder pessoal, e de inteireza. Da inteireza que permite, e só ela, a liberdade de viver de acordo com a verdade do Coração e não toldado, limitado, ou restringido pelo medo que nem tem sequer, necessariamente, razão de ser no presente.

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Cada uma das experiências dolorosas vividas, consciente ou inconscientemente registadas, trouxe consigo uma dor mais ou menos traumática, que ficou registada na minha memória - não só como experiência do passado, mas também como crença acerca de mim próprio, dos outros e da vida: isto é, como base daquilo que consigo ou posso esperar relativamente ao futuro.

Como é da natureza humana generalizar e extrapolar o significado que atribui às suas próprias experiências, e como durante os primeiros anos de vida interpretamos os acontecimentos a partir exclusivamente de nós próprios e do seu impacto sobre nós (é o chamado “narcisismo primário”), sem grande capacidade de apreciarmos objectivamente, de maneira mais impessoal, os acontecimentos como simples “factos da vida” que não têm directa e pessoalmente que ver connosco necessariamente, a morte do meu pai não é “apenas”, ou tanto, a morte dele: é o meu abandono.

Para não falar na dor inevitável, incomensurável e de tentáculos invisíveis que se espraiarão por toda a minha existência, da própria perda. Não é da dor que falamos, mas das distorções patogénicas (i.e., geradoras de sofrimento) geradas a partir daquela.

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Uma das aprendizagens de Saturno em Escorpião é que ninguém nos “faz” sentir nada que não exista já, em potência e temporariamente adormecido, dentro de nós: os únicos responsáveis pelo que sentimos somos nós próprios (o que não significa que não precisemos dos outros para circular, e assim poder cuidar, do que nos apoquenta); como é importante lembrarmo-nos sempre, ninguém magoa um adulto pela primeira vez.

Ou como diz o Eckart Tolle a propósito dos relacionamentos, “o outro não nos causa alegria nem sofrimento. Apenas permite que a alegria ou o sofrimento que já existiam dentro de nós, emerjam”.

Desta forma se percebe por que é que dizemos que Saturno em Escorpião é o convite a olhar para dentro. É que nós passamos grande parte da nossa vida a olhar para fora, a acreditar nas percepções que temos da “realidade” como se fossem “reais”, e acusando geralmente o “exterior” de nos “fazer”... coisas. E o que nos faz, afinal “fazer” coisas são os “botões” inconscientes que a vida, os outros e as circunstâncias vêm, invariavel e inevitavelmente, “apertar”.

A Vida É; a Vida é o que é

E o que é que nos impede a nós, a cada um de nós, de a aceitar e amar, e aproveitar, e acreditar em todas as suas infinitas possibilidades de nos cumprirmos e curarmos e realizarmos e sermos nós próprios, e sermos felizes, e irmo-nos tornando cada vez mais à medida que actualizamos mais e mais das nossas próprias possibilidades criativas, com Alegria, Paz e Amor no Coração, no olhar, e na mente?

As nossas dores. Os nossos traumas. Todos os tesouros que, por um motivo ou outro, tivemos que enterrar muito cedo na vida. Todas as vedações, minas e armadilhas que espalhámos ao nosso redor para não voltarmos a ser tocados na nossa parte mais tenra, frágil, íntima, exposta, vulnerável, confiante, inocente, e crédula.

Tudo, tudo, para não voltarmos a sofrer. Porque enquanto a dor não for curada, dificilmente confiamos e acreditamos: quer em nós próprios, quer nos outros. Em suma, na vida.

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É o tempo, por exemplo, de nos responsabilizarmos inteiramente pelo que criamos a partir das nossas profundezas inconscientes, negadas, distorcidas, escondidas, reprimidas, negligenciadas, evitadas.

É o tempo de escavar mais fundo para libertar energias psíquicas, emocionais, vitais aprisionadas, de atender os traumas, de curar as feridas, de mergulhar nas próprias profundezas e, no regresso dessa jornada de pura transformação interior e auto-cura, encontrar um poder novo, mais largamente independente - quer das circunstâncias, quer dos outros, quer de um velho senso pessoal de controlo e domínio sobre as circunstâncias.

É o tempo em que domínio se torna demónio, e os demónios são para exorcizar.

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A natureza do corpo de dor é garantir a sua própria sobrevivência, porque veja: as circunstâncias ameaçam ou ferem. A sobrevivência é ameaçada. Há uma reacção, uma resposta, uma estratégia, uma adaptação: a sobrevivência é garantida. A dor permanece, bem como a memória, ou melhor, a crença de que a sobrevivência está ameaçada, está condenada a ser ameaçada, ou que pode – simplesmente – vir a ser ameaçada em qualquer altura, novamente, e de forma imprevisível. Bem como, provavelmente, o programa que permitiu defender dela, originalmente.
A dor. E a reacção. A dor. E a reacção.

Fica a memória congelada, e portanto o medo permanente, e a ansiedade antecipatória, de voltar a sentir a dor. E ao redor desse núcleo de dor forma-se uma nebulosa de crenças, sentimentos, emoções, imagens, comportamentos e reacções, psíquicas e fisiológicas, sempre pronto a ser reactivado, às vezes à mínima ameaça, sempre que a possibilidade da dor volte a ser acordada – e ela dificilmente adormece, a não ser quando estamos a sentir-nos gratificados, seguros, e a experienciar prazer, contacto, toque, enfim, quando nos sentimos agradavelmente ancorados na nossa experiência física e emocional e as sensações e percepções garantem um nível mínimo de prazer.

Talvez seja por isso também, em parte, que tantas dores são silenciadas por hábitos de consumo; consumo de substâncias, de relações, de objectos, de experiências sensoriais imediatas, de divertimento, de distracção, de lazer, de recreação, de estímulos prazerosos e gratificantes, e de tudo aquilo que poderíamos dizer nos devolve um sentimento de prazer e bem-estar.

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Nuno Michaels

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