sábado, 26 de setembro de 2015

....................................aleluia



Que o torpor da morte 
não nos mergulhe no desespero de uma ausência, 
mas antes na doce tranquilidade da espera 
e no milagre de continuados renascimentos. 

Há anos que não vou à missa, os dogmas em que a igreja se encerra estreitaram-me as margens do voo faz já muito tempo, prefiro a eternidade do espaço e do tempo às lei do jejum, a fé ampliada no peito às genuflexões em veludos de confessionário, quando os homens se deixam levar pela bondade e abrem os braços, vejo neles a mesma penugem que cobre as asas dos anjos.

Que me perdoem os crentes, que buscam na liturgia a redenção dos pecados e na hóstia o encontro com deus, a mim faz-me sentido o mundo inteiro e cada um dos seres que o habitam morrendo e ressuscitando a cada dia que passa, faz-me sentido o céu mudando de tonalidade ao longo do dia, a comunhão de todos os seres numa essência comum, faz-me sentido experienciar deus nos gestos mais simples do quotidiano.

Cristo não é sequer - para mim - uma metáfora do mártir, mas um homem comum que soube elevar-se acima dos condicionamentos e das contrariedades e dos caprichos e que, benignamente, deixou que a sua luz ficasse ao alcance de todos aqueles que escolhem viver de olhos abertos.

Aleluia e talvez o significado da morte não seja mais do que um momento de pausa, um intervalo entre o que fomos e o que iremos ser, a consciência de que a cada instante das nossas vidas somos tudo o que somos e de que há uma páscoa presente em cada uma das nossas células. 

E se é certo que os homens precisam de histórias, que precisam de uma linguagem de símbolos para se situarem na realidade dos mitos, não é menos verdade que a alma se sobrepõe aos arquétipos. 

De que nos serve a celebração do mistério pascal se ao longo do resto do ano, se ao longo do resto da vida, não formos capazes de ressuscitar do sono mortal de todas as noites e de, a cada manhã, nos descobrirmos abençoados pelas infinitas possibilidades de recomeçarmos tudo de novo?


Inês de Barros Baptista

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