segunda-feira, 23 de novembro de 2015

Canção de Mim Mesmo 22



Tu, ó mar! Eu também me entrego a ti — adivinho o que queres dizer,
Vejo da praia teus dedos deformados que me convidam,
Creio que recusas retornar sem antes me sentir,
Precisamos juntos dar uma volta, eu me dispo, me apresso para fora da vista da terra,
Amortece-me suavemente, embala-me em encapelado adormecimento,
Espirra-me a tua humidade amorosa, eu posso recompensar-te.

Mar de estendidos elementos avultados,
Mar de respirações vastas e convulsivas,
Mar da água da vida e das sepulturas não cavadas sempre prontas,
Uivador e escavador de tempestades, caprichoso e requintado mar,
Sou um contigo, também sou de uma fase e de todas as fases.

Compartilhador do influxo e do efluxo eu, cantor do ódio e da conciliação,
Cantor dos amigos e daqueles que dormem nos braços uns dos outros.

Eu sou aquele que oferece solidariedade,
(Devo fazer a minha lista das coisas que estão dentro da casa e esquecer a casa que as sustenta?)

Não sou o poeta da bondade apenas, não rejeito a possibilidade de ser também o poeta da maldade.

Que parvoíce é essa de virtude e vício?
O mal me impele e a reforma do mal também me impele, e eu permaneço indiferente,
Meu modo de andar não é o de um crítico ou o de alguém que contesta,
Eu molho a raiz de tudo o que cresceu.

Temias alguma escrófula após a persistente gravidez?
Pensavas que as leis celestiais precisariam ser aperfeiçoadas e corrigidas?

Encontro de um lado o equilíbrio e do lado oposto um equilíbrio,
Uma doutrina maleável é tão segura quanto uma doutrina estável,
Pensamentos e feitos do presente são nosso despertar e nosso início prematuro.

Este minuto que me chega após os decilhões passados,
Não há nada melhor do que ele agora.

O que se comportou bem no passado ou se comporta bem no presente não é por isso um assombro,
O assombro é sempre e sempre que possa haver um homem mau ou infiel.


Walt Whitman
in, Song of Myself

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