segunda-feira, 16 de novembro de 2015

Natália



"Muitas vezes perdia a cabeça connosco e nós com ela. Sufocava-nos. Muitas vezes apetecia-nos fugir. Não aguentávamos a sua energia, a sua lucidez, a sua exigência, o seu empenhamento, a sua implacabilidade. 
MUITAS VEZES TENTÁMOS MATÁ-LA EM NÓS PARA SERMOS NÓS.
Até nisso nos ajudou."

"Acusavam-me, continuam a acusar-me de tanta coisa, de ser promíscua, de ter relações com homens e mulheres... o problema é que eu quase não tenho libido. Mesmo em nova, o sexo nunca representou grande coisa para mim. Sempre gostei, por outro lado, de homens mais velhos do que eu... ora nesta altura, com a idade que eles têm, já não funcionam", confidenciava com indisfarçável pudor - era, aliás, muito pudica no que dizia respeito à sua intimidade.
"A maior parte das pessoas apenas viam em mim a fêmea, o corpo, só depois percebiam que eu tinha ideias, talento. 
Isso maçava-me muito, e revoltava-me.".
Depressa deixará de se preocupar com o corpo. A beleza, a elegância perdidas não pareciam
melancolizá-la. "Uma vez por semana a cabeleireira ia arranjá-la a casa", pormenoriza-me Helena Cantos, sua amiga de juventude. "Não comprava roupas e os vestidos eram feitos pela porteira. Quando morreu houve até dificuldade em escolher um em bom estado, para a amortalharmos. Levou o azul escuro, de veludo, que envergava nas ocasiões de maior cerimónia".

Atraía como um íman os desvairados, os místicos, os assassinos, os ladrões, os vagabundos, os dementes. Todos a ouviam, a tocavam. Todos a fascinavam:
"Temos que recuperar o seu sofrimento porque eles estão mais próximo do oculto, repetia-nos."

in, A Natalidade de Natália 
Fernando Dacosta

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