quarta-feira, 30 de março de 2016

Canção de Mim Mesmo 46




Sei que tenho o melhor do tempo e do espaço, que nunca foi e nunca será medido.

Percorro uma jornada perpétua (vinde todos ouvir!)
Meus sinais são um casaco à prova de chuva, bons sapatos e um cajado de madeira da floresta,
Nenhum amigo meu descansa em minha cadeira,
Não tenho cadeira, não tenho igreja, nem filosofia,
Não levo homem algum para o jantar, para a biblioteca, para a bolsa de valores,
Mas cada homem e cada mulher entre vós eu conduzo ao cimo de um outeiro,
Minha mão esquerda abraça-os pela cintura,
Minha mão direita aponta para as paisagens de continentes e estradas públicas.

Não eu, ninguém mais pode viajar aquela estrada em teu lugar,
Deves viajá-la com teus próprios passos.

Ela não é distante, ela está dentro do alcance,
Talvez estejas nela desde o teu nascimento e não saibas,
Talvez ela esteja em toda parte pela água e pela terra.

Põe tua mochila em teus ombros, filho amado, e eu farei o mesmo, e vamos apressar nossa jornada,
Cidades maravilhosas e nações livres tomaremos no caminho.

Se te cansares, entrega-me ambos os fardos e descansa o fôlego de tua mão em meus quadris,
E quando a hora chegar, tu hás de fazer o mesmo por mim,
Pois quando tivermos partido não repousaremos mais.

Hoje, antes do nascimento do sol, subi ao cimo de uma montanha e observei o céu povoado,
E disse para o meu espírito: Quando nos tornarmos os guardiões desses orbes e de todo o prazer e do conhecimento que neles há, estaremos, então, plenos e satisfeitos?
E meu espírito respondeu: Não, superaremos essa etapa apenas para passar adiante e ir mais além.

Estás, também, fazendo-me perguntas e eu posso ouvir-te,
Respondo que não posso responder, pois que encontres a resposta por ti mesmo.

Senta-te por um instante, filho amado,
Aqui estão alguns biscoitos para comeres e aqui algum leite para beberes,
Mas assim que dormires e te vestires com roupas limpas, eu te darei um beijo de despedida e abrirei o portão para que saias daqui.

Por tempo suficiente tens sonhado sonhos desprezíveis,
Agora, limpo a remela de teus olhos,
Deves habituar-te ao fascínio da luz e de todos os momentos de tua vida.

Por muito tempo, tu te agarraste timidamente a uma prancha na praia,
Agora quero que sejas um nadador ousado,
Para que mergulhes em alto mar, te ergas novamente, acenes para mim, grites e,
sorrindo, agites teus cabelos.


in, Song of Myself
Walt Whitman


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