quarta-feira, 2 de março de 2016

Eve Ensler: What security means to me




Penso que será um alívio para algumas pessoas e uma desilusão para outras que hoje eu não venha falar de vaginas. Eu comecei "Os Monólogos da Vagina" porque estava preocupada com vaginas. Hoje estou muito preocupada com esta noção, este mundo, esta ânsia por segurança. Eu vejo esta palavra, ouço-a, sinto-a em todo o lado. Segurança real, controlos de segurança, autorização de segurança. Porque será que toda esta obsessão sobre segurança me faz sentir insegura? O que é que alguém quer dizer realmente quando fala de segurança real? E porque é que nós Americanos em especial, nos tornámos uma nação que luta pela segurança acima de tudo? Na verdade, penso que a segurança é ilusória, é impossível. Todos morremos. Todos envelhecemos. Todos adoecemos. As pessoas abandonam-nos. As pessoas mudam-nos. Nada é seguro. E essas são as boas notícias.

A menos, claro, que toda a sua vida se centre em estar seguro.
Penso que quando toda a sua vida se centra nisso, acontece o seguinte: 
Não pode viajar para muito longe, ou aventurar-se para fora de um determinado círculo.
Não pode permitir demasiadas ideias em conflito na sua mente ao mesmo tempo já que o podem confundir ou desafiar.
Não se pode abrir a novas experiências, novas pessoas, novas formas de fazer coisas. Podem desviá-lo do seu caminho.
Não pode não saber quem é, por isso aferra-se a uma identidade. Torna-se católico, muçulmano, judeu. É indiano, egípcio, italiano, americano. É heterossexual ou homossexual, ou nunca tem sexo. Ou pelo menos, é o que diz quando se auto-identifica. Torna-se parte de um "nós". Para estar seguro, defende-se "deles".
Aferra-se à sua terra porque é o seu lugar seguro. Tem de lutar contra quem quer que a "invada". Transforma-se no seu país. Transforma-se na sua religião. Transforma-se no que quer que seja que o deixe dormente e o proteja das dúvidas ou mudança.
Mas o que isto tudo faz, na verdade é desligar a sua mente. 
Na verdade, não o torna mais seguro.

Por exemplo, eu estive no Sri Lanka, 3 dias depois do tsunami, e estive nas praias e era absolutamente claro que em 5 minutos, podia aparecer uma onda de 10 metros e destruir um povo, uma população e as suas vidas. Toda esta ânsia por segurança deixou-o mais inseguro porque agora tem de estar alerta todo o tempo. Há pessoas que não são como você. Pessoas a quem chama inimigos, há lugares onde não pode ir, pensamentos que não pode pensar, mundos que já não pode habitar. E por isso passa os seus dias a lutar contra coisas, a defender o seu território, e a ficar mais entrincheirado nas suas crenças. Os seus dias são dedicados a proteger-se a si próprio. Essa torna-se a sua missão. Isso é tudo o que faz. As ideias encolhem. Tornam-se slogans. Há malvados e santos, criminosos e vítimas.

Há aqueles que, se não estão connosco, estão contra nós.
É mais fácil magoar as pessoas porque não sente empatia com elas. É mais fácil prendê-las, forçá-las a estar nuas, humilhá-las, ocupá-las, invadi-las e matá-las porque são apenas obstáculos à sua segurança. Em seis anos, tive o extraordinário privilégio através do V-Day, um movimento global contra a violência sobre mulheres, de viajar para uns 60 países, e de passar bastante tempo em diferentes lugares. Conheci homens e mulheres em todo o planeta, que em diversas circunstâncias, guerra, pobreza, racismo, múltiplas formas de violência, nunca souberam o que é a segurança, ou tiveram a sua ilusão de segurança destruída para sempre. Estive com mulheres no Afeganistão sob o regime talibã, que foram brutalizadas e censuradas. Estive em campos de refugiados na Bósnia. Estive com mulheres no Paquistão cujas caras foram queimadas com ácido. Estive com jovens mulheres em toda a América que foram violadas num encontro, ou pelos seus melhores amigos quando estavam sob o efeito de drogas.

Uma das coisas extraordinárias que descobri nas minhas viagens é que existe esta espécie emergente. Adorei quando ele falou deste outro mundo que está mesmo ao lado deste. Descobri estas pessoas que, no mundo do V-Day, chamamos Guerreiros da Vagina. Estas pessoas, em vez de terem AK-47s ou armas de destruição em massa ou catanas, no espírito guerreiro, foram para o centro, o coração da dor e da perda. Fizeram o luto, morreram, e deixaram que o veneno se transformasse em cura. Usaram o combustível da sua dor para direccionar essa energia para outra missão e outro caminho.

Estes guerreiros agora dedicam-se a si próprios e as suas vidas certificando-se que aquilo que lhes aconteceu, não acontece a mais ninguém. Há milhares, se não mesmo milhões em todo o planeta. Aposto que há muitos nesta sala. Têm uma fúria e uma liberdade que acredito que serão as bases de um novo paradigma. Destruíram o esquema habitual da vítima e do criminoso. A sua própria segurança pessoal não é o seu objectivo primordial, e por isso, porque em vez de se preocuparem com a segurança, porque a transformação do sofrimento é o seu objectivo principal, acredito que estejam a criar segurança real, e toda uma nova noção de segurança. Quero falar de algumas destas pessoas.

Amanhã vou ao Cairo, e estou tão emocionada por estar com estas mulheres no Cairo, mulheres do V-Day, que estão a abrir a primeira casa abrigo para mulheres maltratadas no Médio Oriente. Isto vai acontecer porque as mulheres no Cairo decidiram lutar e falar sobre a violência que existe no Egipto, e dispuseram-se a ser atacadas e criticadas, e com o seu trabalho nos últimos anos, conseguiram não só abrir esta casa, mas também o apoio de muitas facções da sociedade que nunca a teriam apoiado. As mulheres que este ano no Uganda encenaram "Os Monólogos da Vagina" durante o V-Day, provocaram a ira do governo.

E, gosto tanto desta história. Houve uma reunião do governo e dos presidentes para discutir se os Monólogos poderiam ir ao Uganda. E esta reunião, que durou semanas na imprensa, duas semanas em que houve muita discussão. O governo finalmente decidiu que os Monólogos da Vagina não podiam ser levados à cena no Uganda. Mas mais incrível é que porque estas mulheres se manifestaram, e porque estavam dispostas a arriscar a sua segurança, começaram uma discussão que se deu não só no Uganda mas em toda a África. Como resultado, esta sessão que já estava esgotada, todas as 800 pessoas que compraram os bilhetes, todas menos 10, decidiram ficar com o dinheiro. Angariaram 10 mil dólares numa sessão que nunca aconteceu.

Há uma jovem chamada Kerry Ruffleson no Minnesota. Ela é uma estudante de liceu. Ela viu os Monólogos da Vagina e ficou tão comovida que levou um pin com eu coração a minha vagina para o seu liceu no Minnesota.

Basicamente foi ameaçada de expulsão. Disseram-lhe que ela não podia amar a sua vagina no liceu, que não era legal, não era moral, não era uma coisa boa. Por isso, ela lutou contra isto, pensou no que fazer, porque ela estava no último ano e ia bem na escola e ameaçaram que a expulsavam. Portanto, o que ela fez foi juntar todos os seus amigos, penso que eram 100, 150 estudantes, e todos usaram t-shirts a dizer eu amo a minha vagina, e os rapazes usaram t-shirts que diziam eu amo a vagina dela na escola.

Tudo isto pode parecer um pouco frívolo, mas como resultado disto, esta escola agora tem uma aula de educação sexual, está a começar a falar de sexo, está a começar a meditar sobre porque é que seria errado que uma estudante de liceu falasse sobre a sua vagina em público ou que dissesse que ama a sua vagina publicamente.

Sei que já falei sobre Agnes aqui anteriormente, mas quero pôr-vos a par de Agnes. Conheci Agnes há 3 anos no Vale do Rift. Quando era pequena, foi mutilada contra a sua vontade. Aquela mutilação do seu clitóris obviamente afectou a sua vida e mudou-a de forma devastadora. Ela decidiu não pegar numa faca ou num pedaço de vidro, mas sim dedicar a sua vida a evitar que isso acontecesse a outras raparigas. Durante 8 anos ela andou pelo vale do Rift. Ela tinha uma caixa incrível sempre consigo, que tinha o torso de uma mulher, metade de um torso, e ela ensinava toda a gente onde quer que fosse qual era o aspecto de uma vagina saudável, e o aspecto de uma vagina mutilada. Nos anos em que andou, ela educou pais, mães, salvou 1500 raparigas da mutilação.

Quando a conhecemos, perguntamos-lhe como a poderíamos ajudar e ela disse, "Bom, se me arranjarem um jipe posso mover-me mais depressa." Por isso, arranjámos-lhe um jipe. No ano em que ela teve o jipe, salvou 4500 raparigas. Portanto, que mais podíamos fazer para a ajudar? Ela respondeu: "Se me ajudarem a angariar dinheiro, posso abrir uma casa." Há 3 anos, Agnes abriu uma casa abrigo para parar as mutilações. Quando ela começou a sua missão há 8 anos, foi insultada, era detestada, completamente caluniada na sua comunidade. Orgulho-me de dizer-vos que há 6 meses, ela foi eleita vice-presidente de Narok.

O que estou a tentar dizer é que se o objectivo final é a segurança, se isso é tudo aquilo em que se foca, o que acaba por acontecer é que cria não só mais insegurança nas outras pessoas, como também se torna muito mais inseguro.

A verdadeira segurança é contemplar a morte, não é fingir que a morte não existe. 
Não é fugir da perda, é aceitar a dor, é entregar-se ao sofrimento. 
A verdadeira segurança é não saber algo quando não se sabe. 
A verdadeira segurança é estar faminto por ligações humanas em vez de poder. 

Não pode ser comprada, preparada ou feita com bombas. É mais profunda, é um processo, é a consciência aguda que todos estamos interligados, que uma acção feita pelo bem de alguém numa pequena aldeia, tem consequências em todo o lado. A verdadeira segurança não é apenas ser capaz de tolerar o mistério, a complexidade, a ambiguidade, e a ânsia deles. e apenas confiar numa situação em que estão presentes.

Aconteceu-me algo quando comecei a viajar com o V-Day há 8 anos. Perdi-me. Lembro-me de estar num avião do Quénia para a África do Sul, e de não ter ideia de onde estava. Não sabia onde estava a ir, de onde vinha, e entrei em pânico, tive um ataque de ansiedade. E de repente apercebi-me que não importava onde estava a ir, ou de onde vinha porque essencialmente todos nós somos pessoas permanentemente deslocadas. Todos nós somos refugiados. Viemos de algum lugar e estamos sempre a viajar, a mover-nos em direcção a um novo lugar.
Liberdade significa que eu não seja identificada com um grupo, mas que possa estar e encontrar-me em qualquer grupo. Não significa que eu não tenha valores ou crenças, significa é que não sou prisioneira deles. Não os uso como armas. O futuro partilhado será apenas isso, partilhado. O objectivo principal será tornar-se vulnerável, perceber o lugar da nossa ligação com o outro, em vez de estarmos seguros, a controlar, e sós.

Como estão? Estão cansados? Num dia normal, acordam com esperança ou pessimismo? Sabem, creio que Carl Jung disse que para sobreviver no século 20, temos que viver com dois pensamentos opostos ao mesmo tempo. E penso que parte do que estou a aprender neste processo, é que devemos permitir-nos a nós próprios sofrer. Acredito que enquanto continuar a sofrer, a chorar e depois continuar em frente, estou bem. Quando começar a fingir que o que vejo não me afecta, não me está a mudar, então estou em apuros porque quando se passa muito tempo a ir de um lado para outro, de país para país, de cidade em cidade, o nível, por exemplo, de violação das mulheres, o quão epidémico é, e o quão banal é, é tão devastador para a alma, que se tem de ter tempo, ou eu tenho de ter tempo agora, para processar isso.

Há muitas causas no mundo pelas quais lutar que já foram faladas, pobreza, cuidados médicos, e outras, eu passei oito anos nesta. Porquê esta? Penso que se pensarmos sobre as mulheres, as mulheres são o principal recurso do planeta, dão à luz, viemos delas, são mães, são visionárias, são o futuro. Se pensarmos que a ONU diz que uma em cada três mulheres no mundo será violada ou maltratada no decurso da sua vida, estamos a falar da profanação do principal recurso do planeta, estamos a falar do lugar de onde viemos, estamos a falar de parentalidade. Imaginem que foram violados e estão a criar um menino. Como é que isso afecta a sua capacidade de trabalhar, de imaginar o futuro, ou de ser bem-sucedido em vez de simplesmente sobreviver?

Acredito que se descobrirmos como fazer para que as mulheres estejam seguras, como as honrar, seria quase ou o mesmo que homenagear a própria vida.



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