domingo, 17 de abril de 2016

Caminha pelo teu corpo um silêncio como uma aragem




caminha pelo teu corpo um silêncio como uma aragem
a terra estende-se infinita nos teus passos
ao passares o horizonte serás último
e partindo de mim avanças

caminha pelo teu corpo um silêncio como uma aragem
onde o lugar das palavras que esquecemos?
se o nosso mapa foi o sol e as manhãs
onde foi que nos perdemos?

caminha pelo teu corpo um silêncio como uma aragem
como um martírio triste como um homem cansado
como a morte ao fim da tarde como um rio
como um silêncio profundo a levar-te

caminha pelo teu corpo um silêncio como uma aragem
começam hoje os dias os meses os anos depois de ti
começa hoje a ser recordação apenas o quanto vivi
e partindo de mim avanças

caminha pelo teu corpo um silêncio como uma aragem
não vás porque a vida é aqui e o esquecimento é longe
mas tu não me ouves já avanças
e a noite segura-te por onde vais

caminha pelo teu corpo um silêncio como uma aragem
ainda agora partiste e és já uma memória desfocada
não vás porque a vida é aqui e o esquecimento é longe
e as minhas palavras não valem nada

caminha pelo teu corpo um silêncio como uma aragem
avanças devagar percorrendo um grande caminho
a tarde morre de repente num silêncio como uma aragem
e fico morto esquecido mutilado sozinho


José Luís Peixoto
in "A Criança em Ruínas"






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