quarta-feira, 18 de maio de 2016

O que se Sente não se Consegue Dizer




O que habitualmente se sofre (se sente) não se pode contar.
Não é só porque isso é normalmente ridículo (porque a grande maior parte do que se pensa e sente é ridículo) e só o que é grande é que cai bem e vale portanto a pena dizer-se.
É que o dizer-se altera o que se diz.
O sentir é irredutível ao dizer. Só o estar sofrendo diz o sofrer.
Na palavra ninguém o reconhece ou reconhece-o de outra maneira, essa maneira em que já o não reconhece o que o conta.
Mas dizia eu que a generalidade do que se pensa, sente, é ridícula. São raros os momentos de «elevação». A quase totalidade do tempo passamo-la distraídos, alheados em ideias sem interesse, nascidas de coisas sem interesse, as coisas que vão havendo à nossa volta ou no nosso divagar imaginativo ou que nem sequer chega a haver, porque há só a abstracção total no quedarmo-nos pregados às coisas que nem vemos nem nos despertam ideia alguma, e estão ali apenas como ponto de fixação do nosso absoluto vazio interior. 


Vergílio Ferreira
in, Conta-Corrente 1


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