quarta-feira, 22 de março de 2017

Entendermo-nos com a Vida




Como é difícil entendermo-nos com a vida.
Nós a compor, ela a estragar. Nós a propor, ela a destruir.
O ideal seria então não tentarmos entender-nos com ela mas apenas connosco.
Simplesmente o nós com que nos entendêssemos depende infinitamente do que a vida faz dele. Assim jamais o poderemos evitar.
E todavia, alguns dir-se-ia conseguirem-no.
Que força de si mesmos ou importância de si mesmos eles inventam em si para a sobreporem ao mais? Jamais o conseguirei.
O que há de grande em mim equilibra-se nas infinitas complacências da vida que me ameaça ou me trai. E é nesses pequenos intervalos que vou erguendo o que sou. 
Mas fatigada decerto de ser complacente, à medida que a paciência se lhe esgota em ser intervalarmente tolerante, ela vai-me sendo intolerante sem intervalo nenhum.
E então não há coragem que chegue e toda a virtude se me esgota na resignação.
É triste para quem sonhou estar um pouco acima dela.
Mas o simples dizê-lo é já ser mais do que ela.
A resignação total é a que vai dar ao silêncio.


Vergílio Ferreira 
in, Conta-Corrente 4


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