segunda-feira, 3 de abril de 2017

Mulheres Batidas


Danny Richardson




Há termos em voga: assédio sexual e violência doméstica, por exemplo. Nenhum é falso. Mas ambos escondem qualquer coisa: a violência masculina! É sobretudo disso que se trata.

Pode haver estudos e análises. Consultas e exames. Nunca se chegará bem a saber o que leva um homem a espancar a mulher, a bater na mãe, a desancar a namorada, a surrar a amante e a sovar a filha! Mas sobretudo a mulher, a mãe dos seus filhos, a pessoa que se ocupa dele, lhe faz as refeições e trata da casa! Ou simplesmente a pessoa que com ele vive e dorme.

É uma das piores baixezas da humanidade!
A violência masculina tem razões estranhas: sexo, ciúme, insegurança, impotência, desconfiança, exibicionismo, ignorância, vingança, álcool, prepotência... Não é de esquerda nem de direita. Não é do Norte, nem do Sul. Não é do crente, nem do ateu. Não é do rico, nem do pobre. Não é do doutor, nem do analfabeto. Não é do inteligente, nem do estúpido. Não é do velho, nem do novo. Não é do português, nem do estrangeiro. Não é do rústico, nem do citadino.

Que animal é este, difícil de compreender, impossível de entender? Podemos recorrer a psicólogos, médicos, psicanalistas, sociólogos, polícias e juristas: nenhum satisfaz a necessidade de compreender.

São anualmente cinco a dez mil mulheres as que, após violência continuada, apresentam queixa. Mas são cinquenta a cem mil as que nunca apresentaram queixa, não se sabe bem porquê, mas suspeita-se com certeza. Por medo e pavor. Por timidez e vergonha. Ou por pobreza e miséria. E são cerca de cinquenta as que, anualmente, já não apresentam queixa, pela simples razão de que foram assassinadas. Isso mesmo, assassinadas! Há homens assim, que assassinam a mãe dos seus filhos! Nem animais!

O homem bate-lhe porque tem ciúmes, porque ela olhou para outro, no restaurante, porque ela sorriu para outro, no emprego, porque ela falou com outro, ao telemóvel, porque ela ouviu as histórias do outro, no autocarro.

Bate-lhe porque o patrão se zangou, porque o chefe o censurou, porque teve má avaliação no emprego e, ao chegar a casa, bateu em quem tinha à mão.

Bate-lhe porque deu uma nega, porque esteve impotente com a amante, porque não conseguiu sair com uma namorada.

Bate-lhe porque ela não obedeceu a uma ordem dele, porque respondeu ou resmungou, porque ela lhe disse que estava cansada, que precisava de dormir ou porque não quis fazer amor com ele.

Bate-lhe porque ela lhe disse que ele bem podia ajudar em casa, com os filhos, com os pais ou os sogros, nas compras, na louça, nos pagamentos e no lixo.

Bate-lhe porque, no golfe, as coisas não correram bem, porque as acções na bolsa baixaram 5% num só dia ou porque o banco exigiu o pagamento da dívida.

Bate-lhe porque bebeu uns copos a mais, porque o seu clube de futebol perdeu e um amigo lhe estragou o carro.

Bate-lhe porque ela lhe disse que ele bebia de mais, que podia passar um pouco menos de tempo diante da televisão, ou no escritório, à noite, ou no café, com os amigos.

Bate-lhe porque é como o Sebastião, que come tudo, tudo, tudo, que come tudo sem colher, que fica todo barrigudo e depois dá pancada na mulher.

Bate-lhe porque o peixe estava queimado e a carne estava crua, porque a mesa não estava posta a horas, porque ele chegou tarde e o jantar estava frio.

Bate-lhe porque ela esteve a ler livros que não devia ler, a ver filmes que não devia ver e a ouvir música que não devia ouvir.

Bate-lhe porque é o seu direito, porque é a sua mulher, para lhe lembrar que quem manda é ele, porque ela não sabe cuidar dos filhos, porque os filhos têm más notas, porque é frustrado e traumatizado, já o pai dele batia na mãe e consta que o avô batia na avó.

Bate-lhe porque ela estava mesmo a pedi-las, com aquela maneira de se vestir e de se comportar diante de toda a gente.

Bate-lhe porque ela disse que se queria separar ou pedir o divórcio.

Bate-lhe porque uns tabefes nunca fizeram mal a ninguém.

Bate-lhe porque ela gosta.

Bate-lhe porque ela está ali.



António Barreto





"Muitas vezes ouvi mulheres dizerem " não gosta de mim, já nem sequer me bate quando o Porto perde!". A agressão física como prova de que, pelo menos!, não se tornara ainda invisível na relação. E também aqui a violência é "democrática", colegas meus contavam as mesmas histórias sobre outras regiões e outros clubes. O erro do árbitro, avançado ou guarda-redes era pago pela mulher.
"Porque ela estava ali", como escreve António Barreto.
Sempre ali estiveram, as mulheres. E as (lentas) mudanças a que fomos assistindo saíram-lhes, amiúde, literalmente dos corpos. Contra cavalos e bastões, na prisão, em suicídios para chamar a atenção do mundo. Nada lhes caiu no regaço, foi conquistado. Ombro a ombro com uma minoria de homens que recusaram uma superioridade "tradicional", justificada pelo Plano de Deus ou os "factos" da Natureza. Mas a vergonha continua escandalosamente viva.
E o facto de também existir violência exercida sobre homens não a apaga, "apenas" a agrava..."
Julio Machado Vaz




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