sexta-feira, 30 de junho de 2017

“qual é a sensação” [how does it feel]





Qual é a sensação 
── em homenagem à canção Like a Rolling Stone, de Bob Dylan

viver como uma pedra rolante
saberás qual é a sensação

imagina que és uma formiga preta
pendurada no extremo de uma ladeira íngreme
ambas as mãos empurrando
uma placa de cobre
posse única da vida

o ninho onde habitavas
passa a ser chamado de “concha”
a tua vivência
sofre uma metamorfose quase real
no ser do caracol

sem lazer de moluscos
pouco orgulho possui o corpo
sem osso
sem valores negociáveis
órgãos e sangue

na hora da morte
mais escuro do que o solo
mais leve do que a areia

qual é a sensação

ao saberes que o teu ser
se espelha só
na sombra da barriga

saberás qual é a sensação




Bruce Lou 
(foi guitarrista de uma banda de rock’n’roll de Macau)
poema traduzido por Han Lili






Dizer sempre o que o outro quer ouvir é uma forma de desamor






Males do desamor 
estão escondidos 
em inadvertência opinativa 
sobre certos aspectos 
que realmente importam 
num relacionamento genuíno. 
Agradar nem sempre é se importar.



Algumas vezes temos que ouvir coisas bem desagradáveis das pessoas que amamos, ou então dizer a elas algo que não lhe comprazem. Apesar do desconforto emocional que isso pode causar, dependendo do caso, não é algo de todo ruim. Pior do que ser incomodado pela amargura de palavras moralistas alheias é ser apunhalado pela própria moral quando estas palavras nos fazem sentido no futuro.

Uma pessoa que se importa realmente com a outra não hesita em manifestar objeção ao que está sendo tratado, se achar que é o correto a fazer. A questão aí não é tentar ferir os sentimentos do outro, mas oferecer cenários de risco para que a pessoa faça suas escolhas sem desconsiderar as possíveis consequências.

Poucas pessoas estão preparadas para ser realistas ou lidar com gente realista. Diante de inúmeras adversidades corriqueiras, é muito melhor procurarmos pessoas que nos tranquilizam em momentos de preocupação, e então costumamos rejeitar, não sem algum ressentimento, quem nos orienta através de outras realidades menos convenientes. Muitas verdades que se revelam a alguns são o motivo de outros se alimentarem com mentiras. O realismo não é o melhor conforto, o otimismo é. Mas ser otimista demais torna alguém incauto, resguardado, passível de acreditar na sua invulnerabilidade, sendo, assim, ainda mais vulnerável do que já é por natureza.

Algumas vezes, não conseguimos adotar a sinceridade sem sermos rudes. Nesses casos, há uma diferença entre ser rude por ter sido sincero e mentir para esconder a rudeza. A sinceridade acompanhada de descortesia tende a ser combatida, não agradecida. Quando alguém começa a nos dizer: “Olhe, sinceramente…”, logo imaginamos que essa pessoa irá nos bombardear com palavras espinhosas, mas nem sempre ser sincero remete a dizer coisas mais difíceis de serem aceitas.

Muitos se sentem desrespeitados em ouvir as verdades do outro como se fossem as suas, e então taxam quem as verbalizou de estúpido, arrogante, egoísta, sem noção. Contra esse problema, costumeiramente escolhem omitir o que pensam para reduzir a intensidade do desgosto, quando, na verdade, estão se agredindo indiretamente por conta de não lidarem com seu problema. Sim, abuso verbal é método de violência, mas a omissão verbal também pode ser.

Há de se ter atenção redobrada com aqueles que buscam sempre nos agradar com palavras subtis, agradáveis e acalentadoras, e nunca nos repreendem (mesmo suavemente). Quem se preocupa verdadeiramente com nosso bem-estar reconhece que o valor da nossa felicidade não se estrutura apenas nela mesma. O mimo é uma expressão de amor, e também uma atitude que desacostuma a pessoa à maturidade amorosa. Quanto a isso, cabe os dizeres do filósofo alemão Erich Fromm em seu livro A Arte de Amar:

“O amor infantil segue o princípio: ‘Amo porque sou amado’. O amor amadurecido segue o princípio: ‘Sou amado porque amo’. O amor imaturo diz: ‘Eu amo você porque preciso de você’. O amor maduro diz: ‘Eu preciso de você porque amo você’.”

Num mundo onde o amadurecimento é visto como forma de opressão, a possibilidade de sermos mimados é atraente demais para que aceitemos os perigos do mimo exagerado. Um desses perigos é que, quando a vida nos desafia a adiar gratificações, a não sermos tão imediatistas, traduzimos isso em sofrimento desnecessário, e então adotamos a posição de vítimas. A inocência é saudável até certo ponto; para além desse limite, torna a pessoa refém das próprias responsabilidades.

Não temos como perceber todas as vezes que erramos, então dependemos de pessoas que nos orientem além de nós. Às vezes, precisamos de humildade para ouvir conselhos dos outros e alterar nosso comportamento; outras vezes, precisamos de proatividade para dar conselhos aos outros e inspirá-los à mudança.

Reconhecer aquilo que a pessoa que amamos gosta de ouvir se torna mais fácil em proporção ao aumento da intimidade desse amor, todavia, usar tal conhecimento afetivo de forma constante e invariável não é um sinal de preocupação com o bem-estar da pessoa, mas uma outra estratégia de manipulação emocional que aponta investimento nos próprios interesses.

Uma boa forma de saber se alguém se importa ou não connosco é observar o seu potencial de criticidade a nosso respeito: se esta pessoa nunca nos critica, então ela é indiferente. Nossas opiniões, se não forem por vezes contestadas ou provocadas, tornam-se frugais, porque somente a crítica faz nascer a reflexão da qual toda boa opinião depende.

Muita gente pensa que o ato de criticar logo remete a falar mal em sentido pejorativo: isso só se aplica no caso de críticas destrutivas. Por outro lado, as críticas construtivas tem conotação positiva, visto que promovem desenvolvimento humano.

A identificação do significado de uma crítica depende muito de como adaptamos o que ouvimos para nossa realidade, e também do nosso relacionamento com o crítico. Sem uma adaptação justa e uma relação desprovida de inveja, ciúmes ou mesquinharia, não temos um real feedback produtivo, apenas impressões precipitadas baseadas em letárgicos duelos de julgamento pessoal.

Toda crítica é escondida num conselho, que pode vir para o bem ou para o mal. Se todo conselho fosse bom, as pessoas sempre o pediriam.

A qualidade dos conselhos depende muito da habilidade de escolher os conselheiros. Na época da monarquia, por exemplo, várias conspirações foram organizadas por pessoas mais próximas do rei, aquelas que faziam parte da corte especial e participavam ativamente dos processos governamentais. Justamente por terem recebido maiores votos de confiança do rei, esses indivíduos tinham mais chances de verificar os pontos fortes de seu líder para neutralizá-los, e identificar seus pontos fracos para explorá-los. O rei que não sabia selecionar seus conselheiros ficava à mercê deles e, portanto, a autoridade se invertia.

Bem, é sabido que as pessoas têm a mania de usar seu filtro interno para ouvirem apenas o que querem ouvir. Contudo, cedo ou tarde se verão tentadas a ouvir o que não querem, pois ninguém sobrevive – tampouco evolui – só de elogios.

O ideal, quando ouvimos palavras indecorosas de alguém que amamos ou mesmo daqueles que não temos tanta intimidade, não é responder em tom de ofensa, mas, primeiro, discernir se realmente foi uma ofensa. Nem sempre o problemático é a causa do problema que está sendo problematizado. É muito fácil transferir o conteúdo de uma crítica do campo técnico para o campo pessoal. As pessoas estão mais preocupadas com seu orgulho presente do que aprender no agora.

É deveras importante controlar o temperamento ao se dar um conselho, porque a percepção de destemperança por parte da outra pessoa faz com que ela adote uma postura defensiva, e esta, por si só, prejudica na devida assimilação do caso, uma vez que o foco passa a ser a relação pessoal entre os envolvidos e não o caso em si. Assim, no calor da discussão, se rejeita ou ignora conselhos com muita facilidade.

Um conselho dado de maneira inadequada não terá efeito solutivo, mesmo que seja o mais adequado dos conselhos.

Muitos relacionamentos são terminados ou prejudicados porque, por mais de uma vez, uma pessoa pediu ajuda à outra para resolver um assunto para si relevante, mas foi decepcionada em ouvir exatamente aquilo que mais temia. Engraçado como as pessoas primam pela sinceridade, mas não se mostram muito seguras para ouvir opiniões desagradáveis, por mais sinceras que possam ser.

O romancista espanhol Miguel de Cervantes, criador de Dom Quixote, aconselhava o seguinte:

“Segui o vosso caminho e não deis conselhos a quem não vos pede”. 

Mas a grande maioria das opiniões é por nós oferecida sem que o outro peça ou queira ouvi-las, mas mesmo assim desejamos opinar, dada a necessidade iminente de comunicação e expressão e a vontade de utilidade representativa.

Pede-se do outro um dizer necessário, mas, muitas vezes, o que queremos ouvir não é o que precisamos saber. Confunde-se muito querer e precisar. Nós queremos tudo o que precisamos, mas não necessariamente precisamos de tudo que queremos. Assim se dá também com conselhos e opiniões no nosso quotidiano social.

Nós damos mais bons conselhos do que achamos preciso recebê-los. Aconselhar sem dar o exemplo é inútil, igual a um cristão que peca e condena o herege pelo pecado.

Francis Bacon, filósofo inglês, dizia:

“Aquele que dá bons conselhos constrói com uma mão; aquele que dá bons conselhos e exemplo constrói com ambas; o que dá bons conselhos e mau exemplo constrói com uma mão e destrói com a outra.”

O conforto para uma lamentação nos é tão necessário que estamos muito mais inclinados a pedir ajuda àqueles que supomos ser apoiadores carinhosos, como se a privação afetiva fosse causada pela falta de carinho e nada mais. Essas solicitações de consolo em tempos de crise melancólica são quase inevitáveis, no entanto, deveria ser tão costumeira a vontade de ter alguém para ajudar a secar nossas lágrimas como a vontade de entender por que elas surgiram. Sem a compreensão das causas de dor, o sofrimento injustificável é mais penoso e desesperador do que o normal, porque sabemos que sua reincidência não tem precedentes, uma vez que ainda não identificamos a raiz do mal e, portanto, não sabemos como evitá-lo, o que nos torna mais suscetíveis a ele.

Problemas diferentes requerem competências de ação diferentes.
Pedir ajuda sempre para a mesma pessoa, independente da situação que se apresenta e do grau de confiança praticado, é equivocado e perigoso, porque não há somente um problema a ser resolvido e nem alguém que possa ter conhecimento de todos os problemas.

As pessoas mais confiáveis e dignas da nossa companhia são aquelas que, primeiro, buscam compreender as nossas angústias, para em seguida nos ajudarem a superá-las. Não devemos aceitar tudo sobre quem amamos, mas, para genuinamente amarmos uma pessoa, precisamos nos esforçar para compreender o porquê de ela fazer o que faz, e esse esforço só é possível se abraçarmos as suas diferenças, inclusive as que não queremos para nós, mas que, querendo ou não, também fazem parte de nós a partir do momento em que amamos.




Eduardo Ruano




Aurora Borealis..., e Aurora Australis


aurora borealis




Magnetized plasma particles are often released from stormy sunspot regions on the sun's surface and travel into space as solar wind. After coming toward us in what is roughly a 40-hour journey, the particles meet Earth's upper atmosphere to create a magical display of southern lights.

Most people in North America are more familiar with the term for this hemisphere's counterpart, the aurora borealis, than they are with the aurora australis.

The stormy, smoldering birth of the solar wind might surprise admirers who are only familiar with the majestic, seemingly peaceful auroras that appears in the skies of each hemisphere.




aurora australis




Like the inside of a child's iridescent summer bubble wand, the aurora australis — also known as the southern lights — and the Milky Way bend across the sky in a stunning display of sapphire blue and fuchsia pink.





Hunter Davis


Astrophotographer Hunter Davis captured two images of our galaxy's band of neighboring stars sharing the sky with the southern lights. They were taken in Antarctica, just over a relay station at the South Pole before the winter solstice, Davis said. The snow that blankets the base of the photos accentuates the brightness of the lights in the sky.
The grandeur of the aurora australis is highlighted further with the Milky Way visibly shining behind it. The galaxy has a diameter of 100,000 light-years, so one can only imagine the colorful variety of aurora shows that could be playing out on other worlds with the Milky Way backdrop.


in, Resonance Science Foundation  




















quinta-feira, 29 de junho de 2017

CANÇÃO EXCÊNTRICA





Ando à procura de espaço
para o desenho da vida.
Em números me embaraço
e perco sempre a medida.
Se penso encontrar saída,
em vez de abrir um compasso,
projecto-me num abraço
e gero uma despedida.

Se volto sobre o meu passo,
É já distância perdida.

Meu coração, coisa de aço,
começa a achar um cansaço
esta procura de espaço
para o desenho da vida.
Já por exausta e descrida
não me animo a um breve traço:
– saudosa do que não faço,
– do que faço, arrependida.



CECÍLIA MEIRELES 
in, ANTOLOGIA POÉTICA 






O espaço...e o pote





O espaço permeia o universo inteiro.
Não há diferença entre o espaço longínquo e o próximo.
Não há diferença entre o espaço contido num pote e o espaço do lado de fora dele.

O espaço do lado de dentro do pote é essencialmente igual ao espaço do lado de fora.
Espaço é espaço, independentemente do tamanho ao qual ele se restrinja.

Se o pote é quebrado, nada acontece ao espaço.
O espaço do lado de dentro não se funde ou mistura com o espaço do lado de fora, nem sofre nenhuma mudança.
Igualmente, o Ser, que é você,  presente no mundo, não é atingido por nenhuma das modificações que afetam o tempo e o espaço.



Pedro Kupfer




Sem privação não há felicidade


Alexandra Cameron






“O Ser Humano dividido contra si mesmo procura estímulos e distrações; ama as paixões fortes, não por razões profundas, mas porque momentaneamente elas lhe permitem evadir-se de si próprio e afastam dele a dolorosa necessidade de pensar. Toda a paixão é para ele uma forma de intoxicação e, desde que não possa conceber uma felicidade fundamental, a intoxicação parece-lhe o único alívio para o seu sofrimento. Isso, no entanto, é o sintoma duma doença de raízes profundas. Quando não há tal doença, a felicidade provém da plena posse das faculdades. São nos momentos em que o espírito está mais ativo, em que mais coisas são esquecidas, que se sentem alegrias mais intensas.”


“A raiz do mal reside no fato de se insistir demasiadamente que no êxito da competição está a principal fonte de felicidade. Não nego que o sentimento do triunfo torna a vida mais agradável. Um pintor, por exemplo, que viveu obscuramente na juventude, decerto se sentirá feliz se o seu talento acabar por ser reconhecido. Não nego também que o dinheiro, até um certo limite, é capaz de aumentar a felicidade; para lá desse limite, julgo que não. O que eu afirmo é que o êxito só pode ser um dos vários elementos da felicidade, e que é demasiado o preço pelo qual se obtém se a ele se sacrificam todos os outros.”


“Exigimos de toda a gente o mesmo sentimento de amor e de profundo respeito que sentimos por nós próprios. Nunca nos ocorre que não devemos exigir que os outros pensem melhor de nós do que nós pensamos a respeito deles, e isso não nos ocorre, porque, aos nossos olhos, os méritos são grandes e evidentes, ao passo que os dos outros, se na realidade existem, só são reconhecidos com certa benevolência.”


“Na maior parte dos casos, o trabalho que as pessoas têm de executar não é interessante, mas ainda em tais circunstâncias oferece grandes vantagens. Em primeiro lugar, preenche uma boa parte do dia sem haver necessidade de decidir sobre o que se há de fazer. A maioria das pessoas, quando estão em condições de escolher livremente o emprego do seu tempo, têm dificuldade em encontrar o que quer que seja suficientemente agradável para as ocupar. E tudo o que decidem deixa-as atormentadas pela ideia de que qualquer outra coisa seria mais agradável.”


“Há sempre um certo aborrecimento quando se evita em demasia a agitação, mas, por sua vez, a agitação demasiada não só enfraquece a saúde como embota o gosto para toda a espécie de prazeres, substituindo titilações por profundas satisfações orgânicas, habilidade por inteligência e impressões fugidias por beleza. Não pretendo exagerar os perigos da agitação. Uma certa quantidade talvez seja saudável, mas, como em quase todas as outras coisas, o problema é de ordem quantitativa. Uma dose demasiado pequena pode gerar desejos mórbidos, e o abuso pode produzir esgotamento. Certa capacidade para suportar o aborrecimento é essencial a uma vida feliz, e isso era uma das coisas que deviam ser ensinadas aos jovens.”


“À medida que nos elevamos na escala social, a busca da excitação se torna cada vez mais intensa. Aqueles que podem pagá-la estão se movendo perpetuamente de um lugar para outro, carregando com eles a alegria, dançando e bebendo, mas por alguma razão sempre esperando para desfrutar mais destes em um novo lugar. Aqueles que têm de ganhar a vida recebem a sua parte de tédio, por necessidade, nas horas de trabalho, mas aqueles que têm dinheiro suficiente para ser libertados da necessidade de trabalho têm como seu ideal uma vida completamente livre do tédio. É um ideal nobre, e muito longe de mim para condená-lo, mas tenho medo de que, como outros ideais, seja mais difícil de realização do que os idealistas supõem. Afinal, as manhãs são chatas na proporção em que as noites anteriores foram divertidas. Talvez algum elemento de tédio seja um ingrediente necessário na vida. O desejo de escapar do tédio é natural; de fato, todas as raças da humanidade a mostraram como a oportunidade aconteceu. Guerras, genocídios e perseguições fizeram parte da fuga do tédio; até mesmo discussões com vizinhos foram encontradas melhores do que nada. O tédio é, portanto, um problema vital para o moralista, uma vez que pelo menos metade dos pecados da humanidade são causados pelo medo dele.”


“De todas as características que são vulgares na natureza humana, inveja é a mais desgraçada; o invejoso não só deseja provocar o infortúnio e o provoca sempre que o pode fazer impunemente, como também se torna infeliz por causa da sua inveja. Em vez de sentir prazer com o que possui, sofre com o que os outros têm. Se puder, priva os outros das suas vantagens, o que para ele é tão desejável como assegurar as mesmas vantagens para si próprio. Se uma tal paixão toma proporções desmedidas, torna-se fatal a todo o mérito e mesmo ao exercício do talento mais excepcional […] Afortunadamente, porém, há na natureza humana um sentimento compensador, chamado admiração. Todos os que desejam aumentar a felicidade humana devem procurar aumentar a admiração e diminuir a inveja.”


“Há a ideia de que quando se concede à razão inteira liberdade, ela destrói todas as emoções profundas. Esta opinião parece-me devida a uma concepção inteiramente errada da função da razão na vida humana. Não é objetivo da razão gerar emoções, embora possa ser parte da sua função descobrir os meios de impedir que tais emoções sejam um obstáculo ao bem-estar. Mas é um erro supor que, diminuindo essas paixões, diminuiremos ao mesmo tempo a intensidade das paixões que a razão não condena.”


“Pregar racionalidade é um tanto diferente, porque ela nos ajuda, de modo geral, a satisfazer os nossos próprios desejos, quaisquer que sejam. O Ser Humano é racional na proporção em que a sua inteligência orienta e controla seus impulsos. Acredito que o controle dos nossos atos pela inteligência é, afinal, o que mais importa e a única coisa capaz de preservar a possibilidade de vida social.”


“O Ser Humano que deseja agir de certa forma se persuadirá que, assim procedendo, alcançará algum propósito que considera bom, mesmo que não vise motivo algum para pensar dessa forma, se não tivesse tal desejo. E julgará os fatos e probabilidades de maneira muito diferente daquela adotada por alguém com desejos opostos. Como todos sabem, os jogadores estão cheios de crenças irracionais relativas a sistemas que devem, no fim, fazê-los ganhar. Os que se interessam pela política persuadem-se de que os líderes do seu partido jamais praticariam as patifarias cometidas pelos adversários. Os homens que gostam de administrar acham que é bom para o povo ser tratado como um rebanho de ovelhas, os que gostam do fumo dizem que acalma os nervos, e os que apreciam o álcool afirmam que aguça o tino. A parcialidade assim criada falsifica o julgamento das pessoas em relação aos fatos, de modo muito difícil de evitar.”



“O Ser Humano difere de outros animais num aspecto muito importante, e é que ele tem alguns desejos que são, por assim dizer, infinitos,( desejos infinitos, que são: aquisição, rivalidade, vaidade e amor ao poder) que nunca podem ser totalmente gratificados, e que o manteriam inquieto mesmo no Paraíso. Uma jiboia-constritora, quando já teve uma refeição adequada, vai dormir, e não acorda até que precise de outra refeição. Os seres humanos, em sua maior parte, não são assim.”


“Uma vida boa é inspirada pelo amor e guiada pelo conhecimento. Nem amor sem conhecimento nem conhecimento sem amor podem produzir uma vida boa.”


“Jamais morreria pelas minhas crenças, porque elas podem estar erradas”.


“Muitas pessoas cometem o equívoco de substituir o conhecimento pela afirmação de que é verdade aquilo que eles desejam […] É importante aprender a não se aborrecer com opiniões diferentes das suas, mas dispor-se a trabalhar para entender como elas surgiram. Se depois de entendê-las ainda lhe parecerem falsas, então poderá combatê-las com mais eficiência do que se você tivesse se mantido simplesmente chocado.”



“Eu acredito que quando morrer, irei apodrecer e nada do meu ego sobreviverá. Mas me recuso a tremer de terror diante da minha aniquilação. A felicidade não é menos felicidade porque deve chegar a um fim, nem o pensamento e o amor perdem seu valor porque não são eternos.”





Bertrand Russell
in, A Conquista da Felicidade





quarta-feira, 28 de junho de 2017

O Meu Desejo





Vejo-te só a ti no azul dos céus,
Olhando a nuvem de oiro que flutua...
Ó minha perfeição que criou Deus
E que num dia lindo me fez sua!

Nos vultos que diviso pela rua,
Que cruzam os seus passos com os meus...
Minha boca tem fome só da tua!
Meus olhos têm sede só dos teus!

Sombra da tua sombra, doce e calma,
Sou a grande quimera da tua alma
E, sem viver, ando a viver contigo...

Deixa-me andar assim no teu caminho
Por toda a vida, Amor, devagarinho,
Até a morte me levar consigo...



Florbela Espanca






Inveja é comparação





Inveja é comparação.
E fomos ensinados a comparar, fomos condicionados a comparar, comparar sempre.
Alguém possui uma casa melhor, alguém tem um corpo mais bonito, alguém tem mais dinheiro, alguém possui uma personalidade mais carismática.

Compare, continue comparando a si mesmo com todo mundo que você encontrar, e o resultado será uma grande inveja; ela é o sub produto do condicionamento da comparação.
Por outro lado, se você deixa de comparar, a inveja desaparece.
Você simplesmente sabe que você é você e ninguém mais, e que não há nenhuma necessidade de ser outro alguém.


Osho




O tabu da monogamia





O medo de ser trocado, 
abandonado, 
o medo de a cara-metade encontrar alguém 
mais interessante e saltar de banda 
ainda parece ser o motor da monogamia 
nos dias de hoje.


 A psicanalista Regina Navarro  propõe a seguinte reflexão acerca da monogamia ao falar sobre seu “O livro do amor” :

“A exclusividade sexual é a grande preocupação de homens e mulheres. Mas ninguém deveria se preocupar se o parceiro transa com outra pessoa. Homens e mulheres só deveriam se preocupar em responder a duas perguntas: Sinto-me amado(a)? Sinto-me desejado(a)? Se a resposta for ‘sim’ para as duas, o que o outro faz quando não está comigo não me diz respeito. Sem dúvida as pessoas viveriam bem mais satisfeitas”.

Trata-se de um pensamento bastante lúcido. Uma pena não termos, ainda, aparato emocional para vivenciarmos o amor de maneira livre, natural e espontânea como ela sugere.

Fato: não temos como controlar o desejo do outro! E caso nosso parceiro sinta desejo por outra pessoa isso não quer dizer necessariamente que não nos ame.

Quem foi que associou o amor à exclusividade?

A História dá conta de que a monogamia foi inventada por questões patrimoniais: os homens precisavam ter a certeza de que seus filhos eram herdeiros legítimos. A Igreja Católica apenas consolidou, tempos depois, essa necessidade social, associando a não exclusividade matrimonial ao pecado.

Na teoria é fácil, né?
Porém, na prática, não resolve muita coisa ter esse tipo de informação.

Na realidade não suportamos nem mesmo a ideia de que o nosso par possa olhar para o lado quando estamos num restaurante, que dirá que tenha outro parceiro.

Mas de onde vem isso?

Imagino que seja do medo do abandono! 
O amor nada tem a ver com isso.

Nem mesmo Jean Paul Sartre e Simone de Beauvoir, casal mais conhecido por manter  “um relacionamento aberto” numa época extremamente conservadora, conseguiram viver essa experiência sem sofrimento. Beauvoir era uma escritora autobiográfica e no seu livro “A mulher desiludida”, por exemplo, fica exposta toda a angústia que ela sentia quando Sartre (no livro, André) se enroscava com outra pessoa.

Pesquisas apontam que nunca se traiu tanto. Homens e mulheres. Isso não quer dizer que não traíssem antes, quer dizer apenas que antes não confessavam.  No entanto, a culpa é quase sempre um elemento presente, são raras as pessoas que traem sem sentir que estão cometendo algum delito.

Às vezes uma relação leal é muito mais satisfatória que uma relação fiel.
Muitos casais fiéis são desleais: agridem-se uns aos outros, não se ajudam mutuamente, só pensam nas próprias necessidades, ridicularizam-se em público. Ao passo que alguns casais infiéis (como Sartre e a Simone) são extremamente leais e companheiros até ao fim.

Segundo Regina Navarro“na segunda metade do século 21, provavelmente, as pessoas viverão o amor e o sexo bem melhor do que vivem hoje”.



O medo de ser trocado, abandonado, o medo de a cara-metade encontrar alguém mais interessante e saltar de banda ainda parece ser o motor da monogamia nos dias de hoje, pois a monogamia nos oferece a falsa ilusão de que estamos protegidos, seguros e que não seremos abandonados. Ela não está relacionada ao amor. Até porque o amor pode acabar e se acabar seremos abandonados da mesma forma.

A gasolina desse motor?
Ao que tudo indica, é o desejo de ser único e absoluto.

Ora, se a vida às vezes não colabora; se não conseguimos a posição que desejamos no mercado de trabalho, se não conseguimos ser os queridinhos da família, se nos deparamos com nossas falhas o tempo todo, o amor do outro surge para nos redimir, nos tornar únicos, especiais, essenciais. O amor do outro acaba se transformando numa ilha onde aportamos os pés cansados de caminhar na dura realidade.


Mas quem é que pode assegurar, 
com a régua da certeza em punho, 
que não é possível amar mais de uma pessoa ao mesmo tempo?


Há alguns anos, o cineasta João Jardim apresentou uma série interessantíssima no canal GNT (disponível no NET NOW), chamada “Amores Livres”, onde discute o tema. Trata-se do registo (e de depoimentos) de pessoas que vivem o amor de maneira espontânea, liberta, pessoas que experimentam o Poliamor.
Quem poderá assegurar que não se trata de amor verdadeiro o que eles experimentam?
Eu, particularmente, ao assistir a série, pensei: “Que gente mais evoluída”!

Ocorre que, quando a farinha é pouca o nosso pirão vem primeiro. Padecemos de uma carência de afeto e de uma necessidade de amor primordial que não nos permite sequer sonhar com a possibilidade de dividir nossa farinha, digo, parceiro-que-nos-ama com outra pessoa.

Já vi inúmeros casais que se amavam profundamente destruídos porque uma das partes descobriu “a traição” do outro. Pessoas que se davam bem, divertiam-se juntas, eram companheiras. Pessoas que deram cartão vermelho para seus pares e depois passaram praticamente uma vida inteira chorando e lamentando a perda.

Se ambos queriam continuar juntos, se ambos se amavam, por que não?

Claro que não estou me referindo aos safados e safadas de plantão – que são comprometidos (as), porém agem como se não fossem; que espalham sorrisos e cantadas para qualquer maldito (a) e se deitam com o primeiro peixe que cai na rede. Estes (as), talvez, não amem nem eles (as) mesmos (as), quanto mais uma ou duas pessoas ao mesmo tempo.

Em sua entrevista, Navarro também propõe outra reflexão interessante:

 “A busca da individualidade caracteriza a época em que vivemos; nunca homens e mulheres se aventuraram com tanta coragem em busca de novas descobertas, só que, desta vez, para dentro de si mesmos. Cada um quer saber quais são suas possibilidades, desenvolver seu potencial. O amor romântico propõe o oposto disso, pois prega a fusão de duas pessoas. Ele então começa a deixar de ser atraente. Ao sair de cena está levando sua principal característica: a exigência de exclusividade. Sem a ideia de encontrar alguém que te complete, abre-se um espaço para outros tipos de relacionamento, com a possibilidade de amar mais de uma pessoa de cada vez”.

Talvez os nossos netos e bisnetos consigam vivenciar o amor de maneira mais natural e com menos sofrimento. Nós (ou será que estou falando de mim?) infelizmente ainda estamos encharcados dos códigos sociais que nos foram impostos e dificilmente quebraremos esse paradigma; não sem sofrimento. Mas isso, claro, não nos impede de refletir sobre o assunto sem temê-lo.



Torço para que um dia consigamos, 
finalmente, 
morder a maçã de Raul Seixas
para que entendamos de uma vez por todas que 
“o amor só dura em liberdade, o ciúme é só vaidade”…





Mónica Montone




Publiquei a entrevista feita  pelo UOL Comportamento à  psicanalista Regina Navarro AQUI





terça-feira, 27 de junho de 2017

Einstein





INTELIGÊNCIA

“Algo só é impossível até que alguém duvide e prove o contrário.
A maioria de nós prefere olhar para fora e não para dentro de si mesmo".

"Nenhum problema pode ser resolvido pelo mesmo estado de consciência que o criou. É preciso ir mais longe. Eu penso várias vezes e nada descubro. Deixo de pensar, mergulho num grande silêncio e a verdade me é revelada".

"Às vezes me pergunto porque eu fui o único a desenvolver a teoria da relatividade. A razão, acho, é que um adulto normal nunca pára para pensar nos problemas de espaço e tempo. Essas são coisas que só as crianças pensam. Mas como o meu desenvolvimento intelectual foi retardado, como resultado eu comecei a me perguntar sobre espaço e tempo somente quando cresci".

"Eu sou suficientemente artista para desenhar livremente na minha imaginação. Imaginação é mais importante que conhecimento. O conhecimento é limitado. A imaginação dá a volta ao mundo".

"Uma pessoa inteligente resolve um problema, um sábio o previne."

"Em momentos de crise, só a imaginação é mais importante que o conhecimento."

"Penso 99 vezes e nada descubro. Deixo de pensar, mergulho no silêncio, e a verdade me é revelada."

" A única fonte de conhecimento é a experiência."

" Chega uma hora em que a mente alcança um plano mais alto de conhecimento mas nunca consegue demonstrar como chegou lá."

" Deveríamos tomar cuidado para não fazer do intelecto o nosso deus; ele tem, naturalmente, músculos poderosos, mas nenhuma personalidade."




CIÊNCIA

"Ciência sem religião é manca. Religião sem ciência é cega".

"A ciência nos afasta de Deus, mas a ciência pura nos aproxima de um criador".

"Algo que aprendi numa longa vida: toda a nossa ciência, medida contra a realidade, é primitiva e infantil - e ainda assim, é a coisa mais preciosa que temos".

"O espírito científico, fortemente armado com o seu método, não existe sem a religiosidade cósmica. Ela se distingue da crença das multidões ingénuas que consideram Deus um ser de quem esperam bondade e do qual temem castigo; um sentimento exaltado semelhante aos laços do filho com o pai; um ser com quem também estabelecem relações pessoais, por mais respeitosas que sejam".

"Como é possível que a matemática, sendo afinal um produto do pensamento humano, que é independente da experiência, seja tão admiravelmente apropriada para os objetos da realidade? Será que a razão humana é, sem recurso à experiência, meramente pelo pensamento, capaz de sondar ("fathom") as propriedades das coisas reais?
Na minha opinião a resposta a esta pergunta é, em poucas palavras: na medida em que as leis da matemática se referem à realidade, elas não são exatas; e, na medida em que elas são exatas, não se referem à realidade."

"Triste época! É mais fácil desintegrar um átomo que um preconceito".

"A mente que se abre a uma nova ideia, jamais voltará ao seu tamanho original."

" A libertação do poder do átomo mudou tudo exceto o nosso modo de pensar. A solução para este problema reside no coração da humanidade. "

" As coisas mais maravilhosas que podemos experimentar são as misteriosas. Elas são a origem de toda a verdadeira arte e ciência. Aquele para quem essa sensação é estranha, aquele que não consegue parar para admirar e extasiar-se em veneração, é como se estivesse morto: os seus olhos estão fechados. "

" Coloque a sua mão num fogão quente por um minuto, e parecerá uma hora. Sente-se com uma mulher bonita por uma hora, e parecerá um minuto. Isso é a Relatividade."

"A investigação científica baseia-se na ideia de que tudo o que ocorre está determinado pelas leis da natureza... Por esta razão, um investigador científico dificilmente se verá inclinado a crer que os acontecimentos possam ser influenciados pela oração, ou por um desejo dirigido a um ser sobrenatural".




DEUS

"Minha religião consiste na humilde admiração do espírito superior e ilimitado que se revela nos menores detalhes que podemos perceber com os nossos espíritos frágeis e duvidosos. Essa convicção profundamente emocional na presença de um poder de raciocínio superior, que se revela no incompreensível universo, é a ideia que faço de Deus".

"O sábio, consciente da lei de causalidade de qualquer acontecimento, decifra o futuro e o passado, que estão submetidos às mesmas regras de necessidade e determinismo. (...) Sua religiosidade consiste em espantar-se, em extasiar-se diante da harmonia das leis da natureza, revelando uma inteligência tão superior que todos os pensamentos humanos e todo o seu talento não podem desvendar, diante dela, a não ser seu próprio nada irrisório. Esse sentimento desenvolve a regra dominante da sua vida, de sua coragem, na medida em que supera a escravidão dos desejos egoístas".

"Eu não posso acreditar que Deus tenha escolhido jogar dados com o Universo".

"Foi, é claro, uma mentira o que você leu sobre as minhas convicções religiosas, uma mentira que está a ser sistematicamente repetida. Eu não acredito num Deus pessoal e nunca neguei isso, ao contrário, expressei claramente. Se existe algo em mim que pode ser chamado de religioso, esse algo é a minha admiração ilimitada pela estrutura do mundo até onde a ciência nos pode revelar neste momento".

"Não posso imaginar um Deus que recompensa e castiga os objetos da sua criação, cujos propósitos estão modelados com base em nossos próprios - em resumo: um Deus que não é senão um reflexo da fragilidade humana".

"Acredito no Deus de Espinosa, revelado na harmonia de tudo o que existe, mas não num Deus que se preocupa com o destino e as ações dos homens".

"Minha religiosidade consiste na humilde admiração do espírito infinitamente superior que se revela no pouco que nós, com a nossa dedução fraca e transitória, podemos compreender da realidade. Moralidade é da mais alta importância - mas para nós, não para Deus".

"Eu não acredito na imortalidade do indivíduo, e considero a moral como algo que diz respeito somente aos homens, sem qualquer relação com uma autoridade supra-humana".

"A moda mística destes tempos, que se mostra particularmente no crescimento galopante da chamada Teosofia e espiritualismo, para mim não é mais do que um sintoma de debilidade e confusão. Como nossas experiências consistem em reproduções e combinações de impressões sensoriais, o conceito de uma alma sem corpo me parece carente de qualquer tipo de significado".

"Agora ele foi embora deste estranho mundo um pouco antes de mim. Isso não significa nada. Pessoas como nós, que acreditamos na física, sabemos que a distinção entre passado, presente e futuro é somente uma teimosa e persistente ilusão".

"A religião do futuro será uma religião cósmica, baseada na experiência, e que recusa dogmatismos. Se houver alguma religião que possa lidar com as necessidades científicas, essa seria o Budismo".



VIDA

"A vida não dá nem empresta, não se comove nem se apieda. Tudo quanto ela faz é retribuir e transferir aquilo que nós lhe oferecemos".

"A vida é como jogar uma bola na parede. Se for jogada uma bola azul, ela voltará azul, se for jogada uma bola verde, ela voltará verde, se a bola for jogada fraca, ela voltará fraca, se a bola for jogada com força, ela voltará com força. Por isso, nunca jogue uma bola na vida de forma que você não esteja pronto a recebê-la".

"O ser humano vivencia-se a si mesmo, seus pensamentos, como algo separado do resto do universo - numa espécie de ilusão de ótica da sua consciência. E essa ilusão é um tipo de prisão que nos restringe aos nossos desejos pessoais, conceitos e ao afeto apenas pelas pessoas mais próximas. Nossa principal tarefa é a de nos livrarmos dessa prisão, ampliando o nosso círculo de compaixão, para que ele abranja todos os seres vivos e toda a natureza em sua beleza. Ninguém conseguirá atingir completamente este objetivo, mas lutar pela sua realização já é por si só parte de nossa libertação e o alicerce da nossa segurança interior".

"O único lugar onde o sucesso vem antes do trabalho é no dicionário."

"A realidade é uma ilusão, embora bastante persistente."

"Grandes almas sempre encontraram forte oposição de mentes medíocres."

" Existem apenas dois modos de viver a vida: um é como se nada fosse milagre; o outro é como se tudo fosse um milagre. Eu acredito no último. "

" Nada realmente valoroso surge da ambição ou do mero sentimento de obrigação; surge particularmente do amor e devoção dirigidos aos homens e a coisas objetivas."

" No meio da confusão, encontre a simplicidade. A partir da discórdia, encontre a harmonia. No meio da dificuldade reside a oportunidade."



 
Albert Einstein




Não sei com que outras mãos afagas a sombra do desejo






Com a idade aprendemos
que o amor existe
na confluência de dois verbos:
o verbo recordar e o verbo ensandecer.

A memória mais antiga que guardo do teu rosto
ainda vem prenhe de uma juventude
que eu próprio ajudei a dispersar
no vento
- enquanto lentamente enlouquecia
entre quadros antigos, livros por ler
e a sombra de gatos que percorriam de noite
os telhados do meu desassossego.

A matura idade aproximou-se dos portões
da loucura, desse limiar que reside
entre o desencanto e a mais pura solidão
- e foi aí que inscrevi o teu nome
como se nele coubesse inteira
a eternidade.

Não sei com quantas letras se escreve
a raiz do teu corpo.
Não sei com que outras mãos afagas
a sombra do desejo.
Não sei onde me escondo se perguntas
pelos ecos do passado.

Sei apenas que perdurará para além da morte
o ser inteiro em ti

imperfeito
ausente
mutilado

mas enlouquecendo devagar nas tuas veias.



MANUEL ALBERTO VALENTE 
in, POESIA REUNIDA




One more time with feeling





Most of us don't want to change. 
What we do want is sort of modifications on the original model. 
We keep on being ourselves, but hopefully better versions of ourselves. 

But what happens when an event occurs that is so catastrophic that we just change from one day to the next?
We change from the known person to an unknown person, so that when you look at yourself in the mirror, do you recognize the person that you were, but the person inside the skin is a different person? 

So that when you go outside, the world its the same, but now you are a different person, and you have to re-negotiate your position in the world.
For instance, when you go into a shop to get cigarettes, because this new version of yourself smokes, and the shop owner says, 'How are you?' And you don't know how to answer.
Or when you meet a friend on the street who says some kindness, and suddenly you are crying their arms for ages, and then you realize that person is not a friend at all, but someone else that you don't actually know very well.
Or you go into a bakery to buy a loaf of bread, say, and you're standing in the queue, and someone grabs you by the arm says something with their kind eyes, but you can't work out what they've said because the new you can't hear very well. And so you say, 'What?' but too loudly, and angrily and he says, 'We are all with you, man,' and you look around and all the bakery is looking at you with kind eyes. And you think that people are really nice.

But when did you become an object of pity? 


Nick Cave





                             






segunda-feira, 26 de junho de 2017

E por vezes






E por vezes as noites duram meses
E por vezes os meses oceanos
E por vezes os braços que apertamos
nunca mais são os mesmos  E por vezes

encontramos de nós em poucos meses
o que a noite nos fez em muitos anos
E por vezes fingimos que lembramos
E por vezes lembramos que por vezes

ao tomarmos o gosto aos oceanos
só o sarro das noites não dos meses
lá no fundo dos copos encontramos

E por vezes sorrimos ou choramos
E por vezes por vezes ah por vezes
num segundo se evolam tantos anos



David Mourão-Ferreira 
in, 'Matura Idade'





Da inexorável morte do amor





Queimar tudo.
Alugar uma casa num lugar sem história na história da minha vida, um lugar de postais antigos, desbotados, e do passado guardar apenas uma urna de cinzas, no compartimento por baixo do lava-louças.
Ver filmes sem mérito, ler livros sem arte, ouvir óperas cómicas e inêxitos impopulares e anacrónicos.
Tentar, sem sucesso, pescar, e ir ao mercado comprar peixe miúdo e roupas com defeitos às ciganas.
Ser anónimo por fora e por dentro, criança que não se conhece nem quer conhecer e que procura apenas o início e o fim dum carreiro de formigas, revelação suficiente para quem ainda não desperdiçou a vida a perscrutar os gloriosos fundos de um oceano de merda.
Beber pouco.
Foder com a moderação que a improbabilidade do diálogo impõe.
Emular os pioneiros americanos, pecadores em busca de recomeço e horizonte, longe das catedrais e de si próprios, longe dos quiromantes e das sibilas e, sobretudo, da inexorável morte do amor.


Miguel Martins




Não fujas que eu sei que tu gostas





A sua pombinha era eu. Chamava-me, vem cá menina, e a voz antecipando-se amolecida, ou então agarrava-me quando passava por ele pelas esquinas da casa, puxava-me contra si, encostava-se todo, crescia, eu atirava a cabeça para trás a barriga para a frente, crescia com ele, e gostava. A sua pomba gostava.
Nem me recordo bem. Foi primeiro um empurrão, estava eu a comentar que o vizinho do terceiro tinha enviuvado, que desperdício, tão novo e bem parecido, logo havia de encontrar… e veio o empurrão. Não caí. Olhei para ele surpreendida, protestei, supliquei. Desculpou-se, ou em jeito de desculpa agarrou-me, encostou-se como de costume, suámos ambos, gememos ambos. Nem sequer perdoei. Esqueci.

A estalada chegou na semana seguinte. A propósito de… A sopa gelada? Demasiado salgada? Os vincos na camisa do escritório? A conversa com a D. Adelina do quiosque que atrasou o jantar? Um olhar de esguelha para o vizinho? Já não sei. Apanhou-me o olho direito. Levei a mão ao rosto. Encolhi-me. Foi só uma. Baixei a cabeça. Comecei a chorar, primeiro muito devagar, as lágrimas lentas, logo mais velozes, o olho que ardia, os dois olhos escorrendo, como se vazando-se, o corpo a estremecer, sacudindo-o os soluços. As pombas não choram. Esperou alguns segundos, parado a ver-me, como se. Como se certificando-se de que eram lágrimas verdadeiras, sentidas. Arrependida. E logo os mesmos gestos, a mansidão na voz, vem cá pequenina, o seu corpo tenso, teso, forte, os braços protegendo-me, de quê, de mim própria talvez, era isso que ele dizia, tu não sabes, tu és uma ingénua, se não fosse eu, tu, minha pombinha, anda cá que eu faço-te um filho, faço-te quantos quiseres, põe-te a jeito, isso, deixa-te cair, isso, que eu agarro-te, isso… Isso.

Um ano daquilo. Dois anos daquilo. Nenhum filho. Estaladas, sim, empurrões, sim, pontapés, sim. Eu continuava a baixar a cabeça, encolhendo-me, tornando-me pequena, a proteger o rosto com as mãos, mas perdia-lhe o medo. Ganhava-lhe ódio. E, quando se encostava a mim, a pombinha já não pedia mais, já não gemia, já não atirava a cabeça para trás. Já não gostava. E começava a criar garras.

Lembro-me de que dantes me enternecia quando atravessava a praça da figueira, lágrimas rasando os olhos, as pombas arrulhando, os velhos dando-lhes sobras de pão, as pombas arrulhando, e eu, eu, uma de entre elas, arrepiando-me toda, esfomeando-me, ansiosa por chegar a casa e deixar-me escorregar e cair.

Anos daquilo. Quando o eléctrico me deixava na praça, já sentia asco. Anos daquilo. Quando o eléctrico parava, eu descia e já não olhava, já não ouvia. Não sentia nada, nada, a não ser uma estranha força que se apoderava dos meus pulsos, dos meus dedos, das minhas unhas, tenso o corpo, teso, preparando-se sem saber. A pombinha estava morta. E eu já nem chorava, em silêncio cirandava afiando as garras nas esquinas da casa. E espreitava a oportunidade.

Há muito fora enterrada, a pombinha, quando me partiu um braço. Levou-me às urgências. Marido consciencioso, grande cabrão, todo falinhas mansas para as enfermeiras, despindo-as com os olhos, trincando-as, dizimando-as com as palavras, a mim já só se encostava por desfastio, e o seu desejo, vago, vezeiro, ia encorpando o meu ódio, escorregou a minha pombinha, vejam só, tão desastradazinha que ela é, sim, pois, nas escadas. As pombas mortas não escorregam. A casa não tem escadas. Tem esquinas.
Não, pois já se me tinha morrido, aquela brutalidade. Não, pois se eu própria também já tinha morrido. Os mortos não matam, apenas continuam morrendo. Que podem dois mortos um contra o outro?

A sua pomba era eu. Passava por mim ou procurava-me pela casa, ao virar de uma esquina, poucas, porque a casa era pequena, ainda assim mais do que bastante, agarrava-me pela cintura, enfiava as mãos na minha camisola, debaixo da minha saia, anda cá, anda cá, não fujas que eu sei que tu gostas, e eu a fingir, diz lá se não, diz lá que não, e eu que não que não, minha pombinha, vou dar-te a volta à cabeça, a esse corpinho tão jeitoso, ia falando e tirando a roupa, a minha, a dele, e depois, depois, se eu gostava, como eu gostava, o corpo dele metamorfoseando-se numa só mão, o meu também, as duas mãos de um só corpo, nosso ou nem sequer, uma onda de espuma que me entontecia, as pernas trôpegas, a boca cheia, a pele revirada, os olhos ardendo insones, os órgãos enlanguescendo-se. Sangue, silêncio, sémen.

Inocente e culpada, tanto se me dá, tanto se me dá. É como disser.
Senhor doutor juiz.



Bénédicte Houart




domingo, 25 de junho de 2017

Muse - Feeling Good (Video)




A Nina Simone, é a Nina Simone...
Mas os Muse, fizeram uma versão muito sua, que não fica nada atrás...adorei!







Tantra e 'ShivaShakti'





O Tantra não é apenas sexo 
com super-orgasmos, 
ou sequer 'sexo sagrado'.
Existem correntes interligadas do Tantra 
que são conhecidas como 
Kundalini Tantra, 
Laya Yoga, 
ou Shaiva Siddhanta.



São caminhos de dedicação à União Sagrada com o Supremo Ser - que é o nosso verdadeiro Ser.


Mas mesmo antes do desenvolvimento moderno (e frequentemente superficial) de 'neo-tantra' com a sua visão limitada do 'Sexo Tântrico', houve uma vertente Tântrica na Índia que questionava activamente os tabus da sociedade e trazia o sagrado ao plano da união sexual ritualizada em conjunto com essas práticas de Kundalini Tantra.

Essa via que integra a sexualidade ritualizada (também conhecida como a via da 'esquerda') é considerada as vezes uma via 'perigosa' porque é fácil uma pessoa se perder na intensidade e na sobre-valorização dos prazeres sensuais.

Mas saber trabalhar conscientemente com a energia sexual, pondo-a ao serviço da iluminação e da libertação, faz com que se possa resgatar essa vibração primordial criativa (Shakti*) e 'domá-la' - não através de força masculina controladora, mas preparando o caminho para a integração do poder dela - pelo honrar dela como uma manifestação do Divino em forma da Grande Mãe - a consorte de 'Shiva'** - a Energia Universal que complementa a Consciência Universal.

Assim, em vez de chamar a nossa atenção apenas ao prazer e às zonas erógenas, a energia percorre o canal central (Shushumna nadi) que une Shiva e Shakti internamente.

Então, apesar  do Tantra não se reduzir à união de sexos, quando as bases são compreendidas, tudo em que focamos torna-se sagrado por vermos o próprio Universo como uma Dança Divina - os princípios são aplicáveis a tudo, inclusive para 'sacralizar' o sexo, e torná-lo numa meditação devocional.

O praticante 'falso' vai apenas procurar justificar e explorar os seus impulsos sexuais, compreendendo mal, ou distorcendo a filosofia Tântrica. O praticante sincero vai procurar abranger tudo na sua prática devocional e meditativa, seja o sexo, seja o trabalho, seja o acto de respirar.

Há uma cura interna efectuada pelo Tantra - uma transcendência da dualidade de categorias: 'mundano' e 'sagrado'. É uma cura para com nós próprios - o nosso relacionamento com o corpo, o sensual, a terra, o feminino, a Vida. Isso é uma das consequências do Tantra - uma das características da via Tântrica - mas não é o fim. O fim é a transcendência do 'eu'.
Por isso o Tantra tradicional e o Yoga tradicional são em muitos aspectos idênticos.

Contrário à representação comum da União Tântrica em forma do casal divino em união sexual (em posição Yab-Yum), a imagem aqui é de 'Ardhanarishvara'. Não mostra uma união de dois corpos mas sim um corpo com duas energias - o masculino e o feminino unidas harmoniosamente. Mostra o equilíbrio e fusão entre o masculino e o feminino - que refere à natureza inerente do Divino, e no plano humano refere a um trabalho interno de 'purificação', harmonização, disciplina, devoção ao sagrado, e abertura à Graça.
Refere-se tanto ao equilíbrio dos canais 'ida' e 'pingala', como ao despertar e o conduzir/sublimar da energia vital para atingir a união êxtática de Shakti (residindo na raiz do sistema energético/chakra raiz) e Shiva no ápice transcendental/coroa).

Mas é importante perceber que tradicionalmente esses ensinamentos não eram apenas técnicos e esotéricos - faziam parte de uma abordagem devocional que valorizava a entrega ao Divino com plena 'fé' na sabedoria da Grande Mãe que guiaria o processo através da inteligência inerente na força vital desperta - que era Ela mesmo, na sua forma microcósmica - Kundalini Shakti.


Que o seu caminho, seja qual for a sua forma, seja permeado pela Graça intoxicante do Mistério infinito, que transcende a mente racional.
Que venha a conhecer o Amor Invencível, e que a sua Presença traga Paz.


______________________________________

* Shakti significa 'poder' ou 'energia'.
Shakti é representada/ antropomorfizada em forma da deusa 'Parvati', 'Durga' e 'Kali'.
Não são 'deusas' diferentes.
São o aspecto feminino-dinâmico do Supremo Ser - a forma, matriz, e força motriz de todo o Universo, até manifestando-se no 'indivíduo' através da capacidade de pensar (Manas Shakti), e na capacidade de acção no corpo, e das funções vitais internas, em forma de Prana Shakti.
Os sábios de muitas culturas percebiam o que a física do século XX comprovou - que tudo no Universo é energia. Os Tantricos chamam essa energia Shakti, ou afectivamente 'Shakti Maa' - a grande Mãe.
E viam, o que alguns estão a começar a perceber - que essa energia não está separada nem da Inteligência Criativa macrocósmica, nem da própria mente humana.
A Consciência e a Energia estão numa dança amorosa constante.
A Shakti, nas suas várias formas, é o veículo para a experiência de todo o plano relativo e relacional.
Como tal é as vezes vista num papel parecido com o da Eva - como 'tentadora' - a nos chamar para nos envolver no plano das aparências enganadoras - descrita então como Maya (ilusão).
Quando somos 'enganados' por Maya, identificamo-nos com o corpo e julgamo-nos ser finitos.
Daí vem o medo, o apego, a resistência à mudança.
Daí vem também a busca incessante e frustrante para o poder pessoal, para o prazer efémero, para dar 'sentido' à vida e dar segurança, para compensar pela sensação de desenraizamento da nossa essência infinita.
Muitas tradições religiosas e espirituais desprezam então o elemento feminino e o seu poder de atracção para o mundo sensorial, e para o sensual. Essas tradições tendencialmente vêem o Divino como algo distante no espaço (acima de nós, no 'Céu'), e até distante no tempo (presente quase apenas no momento primordial da Criação).

A visão Tântrica, por outro lado, é que a própria matéria ('mater' = Mãe) é o corpo cósmico, ou vestimenta, que o Divino assumiu.
A tendência das tradições espirituais foi achar que a associação com o corpo e com o mundo vai nos 'sujar' e tornar-nos insensíveis ao plano celestial, levando então aos votos de ascetismo dos que se dedicam à busca pela comunhão Divina.
Mas o Tantra faz a ponte entre o divino 'Celestial'-impessoal-transcendental, e o Divino verdadeiramente omnipresente.

No Tantra, o Divino não está apenas a acompanhar e a interpenetrar o Universo previamente criado, mas sim a manifestar-se como Energia Cósmica, a formar o Universo - a dar à Luz - a cada momento através da Grande Mãe.
E é Ela que, residindo no corpo em forma de Kundalini, e infinitamente sábia e compassiva, guia o grande Despertar, levando à fusão com o Infinito.

**Shiva significa 'o auspicioso'. É um nome que representa as qualidades do Divino.
E sob esse nome o Absoluto é antropomorfizado em forma de um Yogi - e conhecido como o Supremo Guru.
Contrário à ideia que ele é um deus entre muitos num panteão politeísta, muitos devotos no caminho de Yoga e de Tantra consideram Shiva como 'O Supremo Ser' - não um Ser Divino externo, mas a Consciência Original, e idêntica com a consciência Liberta - o nosso próprio Ser.



A simples busca do prazer sensual, apenas satisfaz a nossa consciência local o que acaba por prejudicar a busca pela consciência universal!
No entanto, como evitar o desejo e o prazer?

Na via Tântrica não é preciso evitar o desejo e o prazer.
Eles são utilizados habilmente como veículo para a prática espiritual-meditativa-energética.

Tradicionalmente apenas se pratica Tantra a dois, depois de muitas outras práticas de disciplina ética e bio-energética.
Por isso mesmo que disse que no Tantra o desejo e o prazer são utilizados 'habilmente'.
Se não, pode se acabar por reforçar 'maus hábitos' sim (tanto de desgaste da energia vital como também de 'vampirismo' da energia vital).



Peter Littlejohn Cook