quarta-feira, 8 de novembro de 2017

António Damásio, o neurocientista das emoções




António Damásio tornou-se com evidência um dos grandes nomes da medicina mundial. Profícuo investigador no campo da neurociência, emergiu como providencial na abordagem ao processo decisional pelo qual o ser humano passa inúmeras vezes. Nesse caminho de quase cinco décadas, foram várias as empreitadas científicas que contaram com este cunho luso. Reverente perante a arte e irreverente no estudo da humanidade, Damásio consolida-se hoje como um dos mais importantes pensantes no cruzamento da psicologia social com a medicina investigativa e ativa.

António Rosa Damásio nasceu a 25 de fevereiro de 1944 em Lisboa.
A sua formação decorreu na Universidade de Lisboa, licenciando-se e doutorando-se em Neurologia. As suas pesquisas foram inicialmente desenvolvidas no Centro de Estudos Egas Moniz, em particular no laboratório de investigação da linguagem. Para estender o alcance das suas pesquisas, emigrou com a sua esposa e também neurocientista Hanna Damásio para os Estados Unidos e firma-se como investigador do Centro de Pesquisas da Afasia de Boston, tendo depois integrado a Universidade de Iowa no Departamento de Neurologia do Comportamento e Neurociência Cognitiva. Para além desta unidade, também fez parte do Centro de Investigação da Doença de Alzheimer da mesma universidade.

Nas suas investigações, Damásio destaca-se por propor um grupo de hipóteses inovadoras quanto ao funcionamento do cérebro, baseando-se para isso no estudo do comportamento de doentes com lesões cerebrais. Assim, desenvolveu trabalhos de pesquisa onde analisa as consequências de uma lesão nos lobos pré-frontais num acidentado em 1848. É neste âmbito que surge o caso de Phineas Gage, operário cujo cérebro fora perfurado por uma barra de metal e sobrevivendo a este incidente, que perde a capacidade de tomar decisões e que vê as suas emoções alteradas. Neste, confirma-se que os processos cognitivos em pleno funcionamento não são suficientes para que se garantam comportamentos sociais e pessoais equilibrados. Assim, enquanto processos como a memória, a perceção ou a inteligência são estudados e posicionados, ampliam-se os horizontes do estudo de António Damásio, em que se vai além da envolvência pessoal e social do comportamento.

Na tentativa de se realizar uma súmula de todas as suas ideias, importa iniciar pela definição de “mente” por parte do investigador. Assim, mente diverge do tradicional dualismo corpo-mente e restringe-se a uma produção do cérebro que se vê dependente e em constante interação com os sentidos e as emoções. 
Na abordagem efetuada às emoções, Damásio visualiza-as como padrões de ativação nervosa que correspondem a estados do nosso mundo interior. Assim, estas representações cognitivas de estados corporais podem provir de situações comuns que suscitem o medo, a ira, o prazer ou o amor. A estes estados, juntam-se um grupo de manifestações do corpo humano que se complementam à emoção nutrida no instante ou na ocasião. Com isto, verifica-se uma dinâmica sistémica entre o cérebro, o corpo e a mente com o meio externo, advindo daí o desencadeamento das emoções e de todas as suas relações. É esta dinâmica que permite verificar o valor adaptativo das emoções ao meio, este que permite regular a tomada de decisão perante as situações que podem ter em si perturbações internas ou condicionantes externas. É neste sentido que as emoções atuam nas avaliações efetuadas pelo sujeito ao mundo para posterior deliberação. Para além disto, e para consolidar a sua posição, o português identificou um momento em que o estado emocional fica registado e marcado no indivíduo e a esse atribuiu-lhe o nome de marcador somático. Esta assimilação em forma de representação traz em si a informação resultante da perceção externa (i.e. o que causa a emoção) e a emocional interna (a emoção em si). Desta forma, as emoções orientam e influem no comportamento do ser humano, veiculando sinais que servem de comunicação e de expressão consigo e com os outros.

Para além dos inúmeros préstimos oferecidos às revistas científicas de especialidade, o português desenvolveu três obras singulares nas quais explana as suas ideias inovadoras.
“O Erro de Descartes: Emoção, Razão e Cérebro Humano” (1994)  foi traduzido em 23 idiomas e transmite o núcleo de toda a linha da sua investigação, colocando a tónica na importância da emoção em todo o pensamento racional e a sua influência na tomada de decisões. Já “O Sentimento de Si: Corpo, Emoção e Consciência” (2000), aplica os sentimentos na explicação da base do si, isto é, as emoções tornam-se fulcrais também na construção e edificação da identidade. Em complemento, a consciência é concetualizada como uma função biológica que possibilita o conhecimento das emoções, discriminando a dor, o prazer, a alegria, a tristeza, a vergonha, o repúdio e o orgulho. Por fim, em “Ao Encontro de Espinosa: As Emoções Sociais e a Neurologia do Sentir” (2003), os sentimentos tornam-se no ponto central da reflexão efetuada, revelando-se a biologia dos mecanismos de sobrevivência. A obra parte do pensamento do filósofo holandês Baruch Espinosa, no qual as emoções, os afetos e os sentimentos se destacam como cruciais na sobrevivência da humanidade, e associa esta perspetiva aos dados científicos provenientes das mais recentes neurociências. O subtítulo do livro transmite a orientação assumida, conduzindo a adaptação do ser humano ao meio com base na propulsão dos sentimentos e das emoções, podendo a ética e as regras sociais derivar de acordo com o grupo social no qual se enquadra.

Neste registo literário, Damásio aborda as suas posições de uma forma acessível e clara, não obstante o rigor científico incutido nesse registo. Esta complementaridade no seu discurso permitiu granjear notoriedade tanto num público geral como nos contextos mais restritos e específicos da neurologia, ecoando as suas ideias por todo o mundo. Tudo isto é alicerçado pelas referências e paralelismos frequentes com áreas como a literatura e a filosofia, para além dos mais mundanos e quotidianos casos e ocorrências. A metodologia de investigação assumida traz em si uma sofisticada articulação entre casos passados em séculos já idos com a tecnologia moderna disponível. Tomando como referência a investigação a Phineas Gage, a equipa de investigação de Damásio, esta que inclui a sua mulher Hanna, usou técnicas de imagiologia e reconstituiu a situação da autópsia, tentando analisar todas as circunstâncias e lesões do caso. A correlação entre essas lesões e as suas repercussões no comportamento levou à replicação do método para oportunidades de estudo similares. Comparam-se, desta feita, os cérebros danificados com os saudáveis na tentativa de identificar e de explicar as anomalias estudadas. Toda esta postura investigativa contava como premissas o estudo aprofundado e minucioso da situação complementado com a experimentação sistemática em ambiente laboratorial.

António Damásio é uma das principais figuras da medicina mundial, principalmente no que corresponde à neurologia. No entanto, extrapolou os limites impostos pela ciência e afeiçoou-se às ciências sociais, abordando conceitos referentes à psicologia. Desde a emoção até à tomada de decisão, Damásio construiu um todo analítico sobre o ser humano. Um sistema que, incorporando cérebro, corpo e mente, procurou sintetizar o papel interno e externo das emoções. Potenciando a ampla gama de recursos oferecidos pelas instituições académicas norte-americanas, o investigador deu-se à literatura da ciência e da arte, cruzando ideias com filósofos e autores de gerações prévias. Foi com este registo singular e inovador que se expôs António Damásio na sua exploração racional perante a plataforma emocional.



“A coisa mais importante de todas é que 
o corpo é o apoio para a mente. 
Não seria possível haver uma estrutura mental 
se não houvesse uma estrutura corporal”

António Damásio 




LUCAS BRANDÃO










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