segunda-feira, 4 de dezembro de 2017

Por que abandonei o xamanismo





Para quem não me conhece, caminhei no xamanismo por muitos anos, toquei tambor em volta do fogo, participei de tendas do suor, fumei cachimbo, defumei com sálvia branca, acendi palos santos, bebi ayahuasca com índios e não índios. Dei palestras, realizei rituais, me divulguei como xamã, mas um dia isso tudo acabou.

Sempre fui um buscador e nessa busca nunca me contentei com pouco conhecimento. Depois que todos os cursos que eu podia fazer sobre xamanismo terminaram, passei a pesquisar por conta própria. Vi muitos documentários onde o índio tinha voz, li muitos livros de pesquisadores, notando que existia uma enorme diferença entre o que os índios falavam de suas próprias práticas espirituais e o que os “xamãs brancos” falavam em suas palestras e cursos.
Finalmente entendi que eu estava iludido e que jamais poderia ser um Xamã.
Nesse dia, abandonei o xamanismo.
Não pense que foi fácil, nunca é fácil romper com as ilusões.

Sabe por que abandonei o xamanismo?
Notei que existiam dois mundos...
De um lado um bando de homem branco dando cursos de conhecimentos indígenas e do outro um bando de indígenas passando fome e lutando para não ter suas vidas e culturas destruídas.
Essa polaridade me fez acordar.

É preciso compreender que índio não pratica xamanismo, porque xamanismo é invenção do homem branco. O Homem branco olhou para os povos nativos, não entendeu metade da profundidade por trás das práticas religiosas deles, e, como a religião de um povo meio que parecia com a de outro povo nativo, o branco acabou por botar todas dentro do mesmo balaio, como se todos aqueles que tiram seu sustento da natureza acreditassem nas mesmas coisas e tivessem a mesma visão de mundo, coisa que não tem.
Cada povo nativo tem sua religião específica, com dogmas e rituais próprios.
Generalizar culturas e suas tradições é uma forma de exterminá-las. 

O sacerdote do povo Lakota, povo nativo norte-americano, é chamado de WICHASCA WAKAN, aquele que fuma o cachimbo sagrado e passa as mensagens do Grande Espírito para curar seu povo.
O sacerdote do povo Guarani é o PAJÉ, aquele que conversa com a Onça Floresta e busca as ervas para trazer a cura para seu povo.
O sacerdote do povo Evenki é o SAMA (xamã), aquele que evoca os Tengers (que são os espíritos da Sibéria) com o tambor dentro de uma tenda escura para curar o seu povo.
Wichasca Wakan não é Pajé, Pajé não é Sama, Sama não é Wichasca Wakan. 
Grande Espírito não é Onça Floresta, Onça Floresta não é Tengers, Tengers não é Grande Espírito. 

A única semelhança do sacerdote de um povo nativo para outro é a função, curar o seu povo.
Cada povo precisa de remédios físicos e espirituais típicos de sua região, coisa que só o sacerdote específico de cada povo pode saber. Para mim, não tem coisa mais triste que o representante de um povo nativo vir a público dizer que pratica xamanismo, isso só mostra o quanto ele foi contaminado por nossas visões limitadas de homem branco.
Índio não precisa ser definido pelo homem branco, eles são capazes de fazer isso muito bem sozinhos. 

Essa é uma questão de direito de fala, estamos há muito tempo nos achando no direito de sermos os porta-vozes do que não vivemos ou não conhecemos a fundo. Se alguém tem que falar sobre eles, são eles mesmos. Quanto a nós, cabe somente lhes dar espaços de fala para que eles sejam ouvidos. Criar espaço de fala não é se calar sobre o assunto, mas sim falar do assunto de uma maneira mais consciente do nosso papel para com essa estrutura torta.
Somos todos responsáveis!

Por muito tempo eu fiquei pensando: 
"Quem sou eu na fila do pão para ensinar ou dar cursos sobre uma cultura ou tradição na qual eu não cresci e que por tanto não me pertence?”.
A resposta: Ninguém.

Por esse motivo, hoje não me divulgo como Xamã, nem falo sobre rituais e dogmas religiosos de nenhuma tribo. Prefiro falar da minha avó e da relação que ela me ensinou a ter com as plantas, ou então, dos meus momentos de meditação no meio do mato. Falar de mim e da minha própria relação íntima com o que considero sagrado, isso me parece muito mais correto, pois é a minha verdade vivida e não a de outra gente.
Valorizar a cultura do outro, sem a necessidade de tomar ela para mim, isso é valorizar a mim mesmo, isso é ser honesto!



Dario Taboka





2 comentários:

  1. Interessante e pertinente testemunho. Além do dito existe uma vertente que por si só derruba os "Xamãs" profissionais ocidentais. Os povos indígenas têm um profundo respeito pelos animais, ainda que possam consumir carne mas fazem-no em total respeito e apenas na necessidade básica dos seus. No ocidente em que a maior parte das pessoas que praticam o "xamanismo" são carnívoras, não têm o direito de se auto proclamarem seguidoras do xamanismo.
    Obrigada pela partilha

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